Associações de pacientes organizam abaixo-assinado e pedem retratação
Por Valéria França
O Ministério da Cidadania lançou uma cartilha com 76 páginas sobre a Cannabis medicinal, que distorce informações que existem sobre os benefícios de suas substâncias (canabinoides) para a saúde. Segundo o texto, a planta voltou a ser discussão no Brasil, com base em informações científicas de “baixa qualidade”. A Cannabis é apresentada como um droga que causa dependência, esquisofrenia, depressão e quadros ansiosos.
O documento do Governo é um guia elaborado pela Senapred (Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas) em parceria com os ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da Infraestrutura, e da Justiça e Segurança Pública. Infelizmente, mais um desserviço à Saúde com o recurso público.
As associações de pacientes reagiram. A advogada Maragarete Brito, diretora executiva da Apepi (Apoio a Pacientes e Pesquisa de Cannabis) organizou um abaixo-assinado (se quiser acessar clique aqui). “Essa petição foi um trabalho coletivo e revisado por várias mãos. Ao atingir 50 mil assinaturas, o documento será entregue ao Governo Federal como o intuito de pedir uma retratação a respeito da cartilha, que coloca a maconha como droga da morte”, explica Margarete. A nota de repúdio ressalta que há mais de 28 mil pesquisas científicas sobre o uso da Cannabis medicinal apenas na base de dados da PubMed.
A cartilha é composta por 11 capítulos, que desconstroem os avanços nas descobertas científicas sobre os componentes da planta, que começaram em 1964, com o cientista búlgaro-israelense Raphael Mechoulam, em 1964, e deram um grande salto com o envolvimento de grandes centros de saúde e pesquisadores. A Cannabis medicinal é indicada como terapia no Instituto Nacional do Câncer nos EUA. O Governo mistura maconha comprada no mercado paralelo com substâncias derivadas da Cannabis, que são fitocanabinoides, que viram produtos para saúde, em forma de óleo, por exemplo. Mas a cartilha diz que “não existe maconha medicinal”.
O neurocientista Sidarta Ribeiro, vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, costuma comparar a Cannabis medicinal com a mesma revolução que os antibióticos fizeram na medicina. O entendimento do mundo sobre a Cannabis mudou tanto que dos 50 Estados americanos, 38 legalizaram a Cannabis medicinal, justamente porque os avanços científicos mostram que essas substâncias fitoterápicas ajudam de fato na saúde.
São inúmeros os testemunhos de pacientes que encontraram alguma qualidade de vida em meio às sequelas severas de doenças crônicas com a terapia canábica. Vale lembrar o testemunho emocionado da senadora Mara Gabrilli, em setembro de 2019, sobre a possibilidade de vida que os medicantos de Cannabis trouxeram. Vítima de um acidente de carro a senadora ficou tetraplégica no auge da juventude.
“Eu mexo muito pouco do pescoço para baixo , mas eu mexo muito mais do que já mexi um dia, porque eu era uma pessoa deitada, que respirava em uma máquina, que não falava, que não sentava, que não sentia e que não mexia.” O depoimento de Gabrilli foi dado durante reunião da Comissão de Direitos Humanos que discutia a aceitação para que passasse a tramitar no Congresso o PL 399/2015 em 2019.
O uso indevido da máquina pública para distorcer fatos científicos é um recurso usado desde o iníco do governo de Jair Bolsonaro. Em abril de 2021, com a grave crise sanitária, provocada pela Covid, que contabilizada 600 mil mortos, o Supremo Tribunal Federal determinou que o Senado instalasse uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o gabinete paralelo da cloroquina e o negacionismo do Governo sobre a doença.