Por Gilvan Marques e Bruno Lucca | Folhapress
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Mais da metade (56%) dos brasileiros acreditam que professores não devem falar sobre política em sala de aula, segundo pesquisa Datafolha. Apesar disso, mais de 90% dos entrevistados defendem que instituições e professores devem discutir com alunos sobre pobreza, desigualdade social e discriminação racial --temas relacionados à política.
Outros 54% dizem que pais têm o direito de proibir as escolas de ensinar temas que não achem adequados.
Encomendada pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e pela Ação Educativa, a pesquisa foi realizada entre os dias 8 e 15 de março com 2.090 pessoas. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Maria Braga, doutora em ciência política e professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), diz que a aparente contradição ocorre porque grande parte da população relaciona política ao partidarismo e a pautas de costumes.
Para Braga, a maior aceitação a temas como pobreza e discriminação se dá por serem assuntos menos sensíveis para os conservadores.
A pesquisa mostra também que apenas 27% da população conhece o Escola Sem Partido. Criado em 2004, o movimento defende uma educação neutra. O veto à discussão político-partidária e sexual são bandeiras levantadas pelos apoiadores.
As pautas do movimento foram abraçadas por políticos conservadores e inspiraram alguns projetos de lei.
As propostas foram repudiadas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, e questionadas devido à inconstitucionalidade por MPF (Ministério Público Federal), AGU (Advocacia-Geral da União) e STF (Supremo Tribunal Federal).
Em 2020, o STF considerou inconstitucional uma lei estadual de Alagoas que dizia, entre outras coisas, ser direito dos pais que seus filhos tivessem uma "educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica". Até aquele ano, 237 projetos motivados pelo Escola Sem Partido haviam sido apresentados, segundo a Frente Escola Sem Mordaça. A derrota no STF foi um dos motivos que fizeram o fundador do Escola sem Partido, Miguel Nagib, abandonar o movimento
Para o vereador Fernando Holiday (Novo-SP), que até 2019 foi um dos porta-vozes do Escola Sem Partido, o movimento conscientizou famílias sobre o que ele chama de aparelhamento ideológico. "Mesmo que esses projetos não tenham virado lei, a discussão já teve efeito. Hoje, a autonomia de pensamento dos alunos é muito maior."
Renata Aquino, do grupo Professores Contra o Escola Sem Partido, criado por docentes da Universidade Federal Fluminense em 2004, diz que a pressão provocada por movimentos conservadores continua. "Hoje somos mais comedidos. Não éramos assim há quatro anos. A autocensura [dos professores] é a principal vitória deles", diz.
Segundo a Aspescs (Associação dos Profissionais da Educação de São Caetano do Sul), recentemente um professor de história do município foi repreendido por falar sobre o nazifascismo. Também no ABC Paulista, docentes afirmam ter recebido orientação de uma diretora vetando debates sobre a ditadura militar.
Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo disse que temas relacionados à política fazem parte do currículo, seguindo diretrizes da Base Nacional Comum Curricular. "O trabalho realizado em sala não tem foco político-partidário e os alunos são livres para dar opiniões."