Foto: Secom/MT
O filme brasileiro “Aos Nossos Filhos”, que acaba de estrear nos cinemas, proporciona um importante debate: famílias homoafetivas, construção familiar e métodos de reprodução assistida. A reprodução assistida pode ser definida como o conjunto de técnicas médicas, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro, que possibilitam a reprodução humana de maneira assistida e segura.
Neste contexto, a reprodução assistida viabiliza vários tratamentos que existem para casais que precisam de ajuda da reprodução humana, especialmente os casais homoafetivos, como demonstrado no filme estrelado por Marieta Severo, José de Abreu e Laura de Castro. “Por vários aspectos, os casais homoafetivos vão precisar buscar o sêmen por serem duas mulheres e dois homens vão precisar de um óvulo e, provavelmente, de uma barriga solidária. Geralmente casais homoafetivos utilizam o método de fertilização in vitro dentre os procedimentos que existem na reprodução assistida”, comenta a advogada Luciana Munhoz, mestre em bioética, sócia do escritório Maia e Munhoz Consultoria e Advocacia
A especialista revela que a clínica que fará a mediação para aquisição desses gametas possui um papel fundamental nesse processo. “A pessoa não pode adquirir os gametas feminino e masculino, ou seja, óvulo e espermatozóide, mas pode adquirir o serviço da criopreservação desses produtos”, explica.
A barriga solidária
No país, a barriga solidária é possível, desde que a pessoa que participará desse processo seja de um parentesco de até quarto grau de um dos membros do casal ou da pessoa que deseja ter um filho sem a participação de um parceiro (por exemplo, mãe, irmã, prima ou tia). Não há, como em outros países, a possibilidade de uma “barriga de aluguel”, onde se paga para ter uma espécie de serviço da gestação de um bebê.
Munhoz aponta que são muitas as questões envolvendo os casais homoafetivos. Segundo ela, é imprenscindível o cuidado para com esses pacientes para que não haja nenhum tipo de discriminação. Além disso, é necessário pensar nas necessidades de cada casal, como por exemplo, nas orientações jurídicas para a viabilização desses gametas ou de uma barriga solidária. “Eles vão precisar, ao final, ir a um cartório registrar essa criança, então todo esse acompanhamento é necessário para esses casais, para que tudo corra da melhor forma possível”, afirma.
A advogada ressalta que é importante que esses cuidados ocorram sem prometer garantias. “No Brasil, não temos um órgão superior que determine como cada cartório pode agir. Em termo legais temos a possibilidade de registros, mas vão ter cartórios que vão causar mais problemas ou menos problemas. Geralmente, é bem tranquilo, mas é importante sempre dar essa orientação para esses casais.”, completa.
“O uso de gametas de parentes e as mudanças na Lei*
É recente a mudança na regulamentação sobre o tema. A Resolução CFM 2.294 de 2021 dispõe que a barriga solidária precisa ser de uma familiar até o quarto grau. Desta forma, a própria clínica faz o procedimento entre o casal e com essa mulher, ou seja, não precisa pedir autorização. Além desse aspecto, foi acrescido com essa resolução a necessidade de essa mulher ter pelo menos um filho vivo. Caso contrário, é necessário pedir autorização ao Conselho Regional de Medicina.
A advogada explica a importância de um especialista para cuidar da documentação que envolve esse tipo de procedimento, o que pode descomplicar e até agilizar o desenvolvimento do processo. “Sempre recomendamos que esses pedidos de autorização venham por meio do advogado, porque é só esse pedido que você tem e, se for denegado, terá que entrar com recurso para entender o motivo. Então a gente sempre recomenda que seja por meio de advogado porque o especialista vai juntar todas as provas e dados”, comenta.
A chamada “doação aberta” possibilita que parentes possam doar o sêmen e o óvulo, desde que não tenham consanguinidade. “Eu, por exemplo, não posso doar o meu óvulo para o meu irmão porque se ele utilizar o sêmen dele aí vai ter consanguinidade. Agora, pro marido do meu irmão, eu posso doar porque nesse caso não terá consanguinidade, então neste caso pode”, explica Munhoz.
Portanto, a mulher da família pode tanto doar esse óvulo de forma aberta quanto o homem também pode doar o sêmen. “Nesse caso, sendo um casal homoafetivo masculino, a mulher pode também ser a barriga solidária porque já tem essa permissão, só que agora há essa atualização de que precisa ter um filho nascido vivo”, completa.
Por que brasileiros ainda buscam por esses procedimentos no exterior?
Mesmo com base no aumento de casais que buscam por esses procedimentos no Brasil, ainda há muita procura no exterior. A advogada aponta alguns dos motivos mais frequentes. Nos Estados Unidos há uma extensão de informações quando se vai adquirir um sêmen, diferente do Brasil, porque lá as normas são mais abertas no caso da reprodução assistida. “Nos bancos de sêmen, dependendo do quanto você paga, você tem mais acesso a informações, como por exemplo, a voz do doador, foto daquela pessoa, algo que aqui no Brasil não pode porque aqui a gente tem a regra do anonimato, logo, os receptores e os doadores não podem se conhecer”, explica.
No Brasil, as doações são sempre privadas e os doadores devem abrir mão do direito de parentalidade. “A partir do momento que você abre mão do direito patriarcal ou matriarcal daquela criança, o nascimento daquela criança necessariamente a torna filho legítimo daquele casal que fez a reprodução assistida.”, ressalta.
Outro fator que motiva as buscas lá fora é o fato de que você pode adquirir, pelo tempo da gestação, o útero de uma pessoa para carregar aquela criança, ou seja, uma barriga de aluguel. Enquanto aqui no Brasil, o que existe é a barriga solidária. Assim é possível pagar os custos daquela pessoa enquanto ela estiver grávida, mas não é a aquisição do útero em si, como nos EUA.
Ainda há outros aspectos. “Casais que são heteronormativos ou homoafetivos vão buscar no exterior essa reprodução por inúmeros motivos, como querer que a criança nasça nos Estados Unidos ou na Europa para que ela tenha a nacionalidade norte-americana ou europeia, o que tem grandes vantagens tanto para criança como para a família como um todo”, alerta.
Preconceito: gênero x casais inférteis
A advogada explica que o preconceito é transversal em muitos aspectos, tanto com as pessoas que tenham identidade de gênero contrária ao padrão heteronormativo, quanto em relação à infertilidade dos casais. “Ou seja, pessoas que entendem que aquele casal não deve ter filhos porque não tem capacidade reprodutiva, é um preconceito que precisa ser quebrado. A reprodução assistida assim como as outras especialidades médicas da saúde trouxe uma revolução sobre a possibilidade do planejamento familiar que é um direito constitucional que a gente tem no Brasil.”, defende.
‘’É muito interessante que os casais homoafetivos entendam que eles têm essa possibilidade de serem pais, de serem mães e que a família precisa ser aceita e que eles têm direitos legais sobre a maternidade, paternidade dessa criança que é fruto desse procedimento e que vão formar famílias maravilhosas”, finaliza a advogada.
Por Jornal de Brasília