Por Tayguara Ribeiro e Priscila Camazano | Folhapress
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A violência política é um dos principais obstáculos para a participação de pessoas negras na política, indica pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
O levantamento, que conta com o apoio do Instituto de Referência Negra Peregum, identificou que o medo de sofrer esse tipo de violência aumentou entre pessoas negras que atuam politicamente devido à ascensão recente da direita mais radical no país.
Entre as ameaças descritas estão riscos físicos e de morte, além de agressões na internet, o que afeta a saúde mental dos candidatos e de seus apoiadores.
O estudo foi realizado nos meses de abril e maio, em formato que combina as metodologias quantitativa e qualitativa.
A análise quantitativa foi baseada nos dados dos candidatos a cargos proporcionais nas eleições de 2014 e 2018, disponibilizados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Na parte qualitativa, a pesquisa utilizou a técnica de entrevistas em profundidade com 27 pessoas com idades de 24 a 60 anos.
"Há relatos de pessoas já eleitas que sofreram violência política dentro das suas próprias Câmaras Legislativas. Mas não só isso. Há casos de ameaça física durante atos de campanha e de cyberbullying, que é outra maneira de constranger", diz João Feres, cientista político que liderou a pesquisa.
Para o especialista, que também é coordenador do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), da Uerj, "o fato de a extrema direita ter saído do armário no Brasil e manifestar sua intolerância abertamente faz com que as pessoas que são alvo desse ódio sintam-se inseguras".
A avaliação de Feres leva em conta as entrevistas realizadas no levantamento. Ainda segundo a pesquisa, para cada pessoa negra que diz se preocupar pouco com violência política, 2,5 afirmam se preocupar muito com o problema.
Quase metade dos entrevistados relatou espontaneamente casos de sofrimento psicológico provocados por ameaças constantes, o que leva pessoas negras a não se sentirem capazes de disputar espaços na política. Esse cenário é potencializado pelo medo de morrer.
A sensação de insegurança é amplificada pela pequena representação negra nas Câmaras Legislativas, dominadas por homens brancos. Ao se verem sozinhos ou em número reduzido nos espaços de poder, parlamentares negros são alvo mais frequentes de ataques ou preteridos em atividades cotidianas.
Segundo dados do TSE, foram eleitos 124 deputados negros em 2018, classificação que inclui pretos e pardos. Reportagem da Folha, porém, mostra que esse número é menor. Registros irregulares na identificação racial inflam artificialmente a quantidade de negros entre os 513 membros da Câmara.
O problema ocorre também nas Assembleias estaduais. Em alguns casos, como o de Santa Catarina, o único deputado estadual registrado como negro é, na verdade, branco, como admite o próprio parlamentar.
Após a reportagem da Folha, o Ministério Público Eleitoral notificou os diretórios de todos os partidos em SP e cobrou explicações sobre erros nos dados raciais no registro de candidatos a deputado federal.
"A violência é multicausal, pois é atribuída ao racismo, ao sexismo e ao etos da sociedade brasileira como um todo. Várias entrevistadas acusaram o aumento da violência trazido pela ascensão do bolsonarismo a partir de 2018", afirma Vanessa Nascimento, diretora-executiva do Instituto de Referência Negra Peregum.
Outros pontos levantados pelo estudo sobre os motivos que levam pessoas negras a desistirem de se candidatar são a falta de apoio partidário e de recursos financeiros para a campanha.
Segundo o estudo, o racismo é percebido não apenas na interação social, dentro e fora dos partidos, mas também como motivo determinante para as escolhas ao longo do processo de competição eleitoral.
Para Feres, a falta de dinheiro para as campanhas está ligada às regras de distribuição de recursos, que, devido à nova legislação, são em grande parte monopolizadas pelos partidos políticos.
"Esse problema espelha o nosso sistema político, que não tem um conjunto de regras para atacar a sub-representação de negros e mulheres na política. Há um esforço sendo feito a trancos e barrancos, mas as regras em vigor hoje ainda não são suficientes", afirma o cientista político.
Dentro dos partidos a situação tampouco é simples, e a discriminação nem sempre ocorre de maneira pronunciada. Um exemplo, segundo ele, é a decisão de legendas de priorizar nas campanhas seguintes candidatos à reeleição, dando a elas mais apoio, estrutura e financiamento.
"Se você já tem uma sub-representação [de negros] na política, favorecer quem busca a reeleição só reforça o status quo e acaba excluindo os negros da possibilidade de eleição", afirma Feres.
Ele explica que a lógica vale também para as mulheres, já que a maioria dos espaços de poder é dominada por homens brancos. "Ao aplicar critérios que na superfície são neutros em relação a desigualdades, o resultado será enviesado porque o status quo está sendo reproduzido, o que é muito desigual."