Por Renato Machado, Victoria Azevedo e Nathalia Garcia | Folhapress
Foto: Ricardo Stuckert / PR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou na sexta-feira (27) que considera possível 'acertar' a questão do ICMS com os governadores, que reclamam da queda de arrecadação após a entrada em vigor da lei que limitou a alíquota desse tributo sobre combustíveis.
A fala aconteceu durante reunião com os 27 governadores no Palácio do Planalto. Como mostrou a Folha, o pagamento de uma compensação pela União aos estados devido às perdas na arrecadação com a mudança no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis era um dos principais temas do encontro.
Na fala de abertura, Lula disse que o governo não vai se omitir da discussão sobre o tributo.
"A questão do ICMS é uma coisa que está na cabeça de vocês [governadores] desde que foi aprovado pelo Congresso Nacional e é uma coisa que vamos ter que discutir. Nós podemos acertar, podemos dizer que não pode ou que pode, mas não vamos deixar de discutir nenhum assunto com vocês", afirmou.
Com o objetivo de reduzir preços de combustíveis no país em ano eleitoral, o Congresso aprovou um projeto de lei que limitou em 17% a alíquota do ICMS sobre combustíveis, energia, transportes e telecomunicações. A proposta foi articulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), então aliado do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Durante a tramitação no Congresso, foi inserido um gatilho que permite aos estados abater dívidas com a União caso tivessem perdas superiores a 5% na arrecadação do imposto estadual. O texto da norma, contudo, abriu margem para interpretações diversas.
A principal discordância entre União e estados é a forma de cálculo dessa reparação. Os governadores vêm apontando problemas com a queda de receita, e alguns estados já obtiveram liminares e estão abatendo valores de suas parcelas da dívida. A União, por sua vez, não está de acordo com alguns pleitos.
De acordo com cálculos do Tesouro Nacional obtidos pela Folha, a compensação aos estados pelos cortes de ICMS pode custar à União até R$ 36,9 bilhões.
Depois do encontro, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, anunciou que será constituída uma comissão formada por governadores, sob a liderança do ministro Fernando Haddad (Fazenda), para acompanhar "o processo de diálogo e negociação que está sendo construído no âmbito do STF [Supremo Tribunal Federal]".
Segundo o ministro, a ideia é ampliar o diálogo já estabelecido por um grupo de trabalho criado em dezembro de 2022, após as liminares do STF, com prazo de 120 dias para tratar do impasse do ICMS.
"Estamos subindo o nível desse diálogo, um comissão de governadores, sob a liderança do ministro Fernando Haddad, no diálogo com ministros do STF que são responsáveis pela condução desse tema, para que se possa dialogar no âmbito do Supremo para construir uma solução para essa barbaridade, essa bomba interfederativa cometida no governo anterior", afirmou.
Padilha disse ainda que Haddad convidou os governadores para "se mobilizarem e participarem" da discussão da proposta de reforma tributária.
Entre os chefes de Executivo estadual, Helder Barbalho (MDB), governador do Pará, afirmou que Haddad se comprometeu a participar em conjunto com os estados das discussões sobre a recomposição da perda de arrecadação do ICMS em negociação com o STF.
"Estabeleceu-se que o ministério da Fazenda deverá estar junto com o conjunto de governadores que representarão o fórum de governadores para discutir a recomposição do ICMS, ouvindo, no primeiro momento, o STF a respeito da constitucionalidade de determinadas medidas que fragilizaram as condições fiscais dos estados e da própria União", afirmou.
Os governadores da Bahia e do Amazonas, Jerônimo Rodrigues (PT) e Wilson Lima (União Brasil), respectivamente, falaram sobre o trabalho conjunto a ser realizado entre a equipe técnica do Ministério da Fazenda e um grupo formado por secretários estaduais de Fazenda na busca de um caminho para equacionar a perda de receita dos estados.
"A gente está caminhando para entender qual o melhor modelo e qual a melhor decisão que vai ser tomada. Essa decisão tem de ser tomada em conjunto entre os governadores e o governo federal para entender que a gente está na mesma página e na mesma sintonia", disse Lima.
Segundo o governador do Amazonas, seu estado teve uma perda de cerca de R$ 1 bilhão na arrecadação do imposto estadual, enquanto os estados da região amazônica tiveram impacto em torno de R$ 5 bilhões em seus cofres.
Antes do encontro com Lula, alguns governadores defenderam a recomposição de receitas com o ICMS.
"Espero que seja restituída a condição de sobrevivência dos estados e, ao mesmo tempo, dos municípios. Hoje a única fonte de arrecadação que nós temos é o ICMS e isso precisa ser recuperado ou reposto", afirmou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), foi outro que ressaltou a importância do tema. "Esse é o assunto que estamos mais angustiados, porque as decisões do ano passado tiraram R$ 33,5 bilhões dos cofres dos estados. É bom que a gente possa tratar desse tema nessa primeira reunião."
Para ele, será preciso ainda fazer outras reuniões com os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) para avançar sobre a questão. "Não há possibilidade, por exemplo, de discutir uma reforma tributária e implementá-la sem os estados fazerem a recomposição das suas receitas", afirmou.
Segundo o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), a receita dos estados foi fortemente impactada por decisões tomadas "de forma atabalhoada e equivocada" na pressão do momento eleitoral.
Para ele, a recomposição de recursos é um tema "crítico" para os estados neste momento. "A gente saúda a iniciativa de falar sobre obras, sobre investimentos e nós vamos falar sobre eles. Mas é importante que se discutam as questões estruturais", disse.
"Não adianta, de um lado, nós termos obras relevantes acontecendo e, do outros lado, os estados não serem capazes de pagar as contas básicas na prestação de serviços na área de educação, saúde, segurança para os seus cidadãos", continuou.
Na reunião com os governadores, Lula também reafirmou que o BNDES vai voltar a ser um banco de desenvolvimento e que vai financiar projetos que estados e municípios considerem prioritários.
"Pretendo fazer com que o BNDES volte a ser um banco de desenvolvimento. E para isso tem que ter paciência e competência e, se for necessário, emprestar dinheiro para que governadores concluam obras consideradas inevitáveis para o estado", afirmou.