‘Presente de árabe’: seriam as joias o Cavalo de Troia da família Bolsonaro?


Foto: Reprodução

Por Wagner Gundim

A expressão popular “presente de grego” se refere a alguma oferta que, diferentemente do que se esperava, acaba prejudicando quem a recebeu. O ditado tem origem no texto “Ilíada”, de Homero, que descreve o mito da guerra entre a Grécia e Tróia, e narra o episódio do “Cavalo de Tróia” – um estratagema adotado pelos gregos para vencer o combate.
Segundo Homero, o herói Ulisses sugeriu que o exército grego criasse um cavalo de madeira, grande como um navio, capaz de suportar, dentro dele, a presença de guerreiros – estrategicamente escondidos e prontos para atacar. Construído o artefato, Sínon, primo distante de Ulisses, ficou responsável por se amarrar ao cavalo e mentir, informando que os gregos teriam fugido, e que o presente era uma homenagem à deusa Atena. O “mimo” foi levado para dentro das muralhas de Tróia e o resultado é por todos sabido: a cidade foi aniquilada pelos gregos.
O trágico fim dos troianos pode também ocorrer com a família Bolsonaro. Está em curso uma investigação criminal conduzida pela Polícia Federal (PF) que apura o possível envolvimento do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL) e de sua esposa, Michelle Bolsonaro, dentre outras figuras do entorno do casal, num esquema de negociação de joias “presenteadas” por delegações estrangeiras – em especial, provenientes da Arábia Saudita – à Presidência da República.
Segundo a PF, o ex-presidente teria recebido, pelo menos, 18 presentes de alto valor. Ainda, pessoas ligadas a Bolsonaro e a Michelle teriam sido orientadas por ele a negociar a venda e, posteriormente, a recompra de alguns desses itens.
Mas, afinal, existe alguma ilegalidade cometida pelos envolvidos? Inicialmente, é preciso destacar que o presidente da República exerce um múnus público, e, nesta condição, estão vinculados aos princípios republicanos constantes no artigo 37 da Constituição Federal, em especial os da moralidade e da legalidade. Desta forma, numa República – Res publica (coisa pública) – todo aquele que exerça função atrelada ao Estado, tem como obrigação pautar a sua atuação sob referidos princípios.
Por isso, é que, a luz da legislação vigente, presentes concedidos a Bolsonaro por outras nações não são de sua titularidade, mas, sim, da instituição Presidência da República. Não foram ofertados, em tese, para a pessoa física, mas, sim, para a instituição, para a União. Isso ocorre, justamente, para se evitar que, qualquer detentor de cargo público possa se valer de sua influência e posição de poder para conquistar ganhos pessoais.
Desta maneira, seguindo o que prevê a lei, exceto os presentes personalíssimos, ou de consumo próprio, todo o restante deve ser objeto de incorporação ao acervo da Presidência da República, inclusive com registro transparente de tudo o que for recebido no exercício do cargo.
Assim, caso se comprove que as joias entregues a Bolsonaro e à Michelle tenham sido objeto de comercialização, ou de desvio para proveito econômico próprio ou de terceiros, além do prejuízo de capital político para os envolvidos, existem chances concretas de condenação na via criminal por peculato ou por corrupção.
Com o tempo, saberemos se as joias foram ou não um “presente de grego”, ou, neste caso especificamente, um “presente de árabe”.
*Wagner Gundim é advogado; doutor em Direito Constitucional, pela Universidade de São Paulo (USP); doutor em Filosofia do Direito, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo-SP; mestre em Direito Político e Econômico, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; professor de Direito Constitucional, Eleitoral e Ciência Política; sócio-fundador do Gundim & Ganzella Sociedade de Advogados; e autor de dezenas de obras e de publicações jurídicas.
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