Por Renato Machado e Marianna Holanda | Folhapress
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
O presidente Lula (PT) e outros membros do primeiro escalão do governo saíram em defesa do papel do poder público para desenvolver e estimular a indústria, em particular para impulsionar as exportações de empresas brasileiras.
"Para o Brasil se tornar competitivo, o Brasil tem que financiar algumas coisas que ele quer exportar. A gente não pode agir como sempre agiu, achando que todo mundo é obrigado a gostar do Brasil, que todo mundo vai comprar do Brasil sem que a gente cumpra com nossas obrigações. Debate a nível de mercado internacional é muito competitivo, é uma guerra", disse o mandatário.
A fala aconteceu na segunda-feira (22), durante a apresentação da nova política industrial, que vai contar com financiamentos de R$ 300 bilhões até o fim de 2026. O anúncio aconteceu durante reunião no Palácio do Planalto do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial).
A declaração do presidente teve a mesma tônica das demais falas, como as de Rui Costa (Casa Civil) e Aloizio Mercadante (BNDES) -que pediu aprovação no Congresso para o banco voltar a dar crédito para obras no exterior.
Lula relembrou de uma reunião do G20 em Londres, da qual participou em 2009, quando debateram acabar com protecionismos como forma de recuperar a indústria a nível mundial.
"O que aconteceu quando terminou reunião: o protecionismo aumentou mais do que nunca. Muita gente fala em livre mercado quando é para vender, mas quando é para comprar protege seu mercado como ninguém", completou.
Uma parte dos R$ 300 bilhões da política já havia sido anunciada no ano passado. A maior parte desses financiamentos serão geridos pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social).
A proposta foi antecipada pela Folha. Ela prevê metas, diretrizes e medidas para os próximos dez anos.
Durante o evento, o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) ressaltou que o conselho havia praticamente sido abandonado.
"Ficamos sete anos sem ter reunião do CNDI e esta já é a segunda no seu governo. Lula é compromissado com a indústria, porque sabe que não tem desenvolvimento mais forte sem indústria forte", afirmou o vice-presidente.
Segundo o governo, o plano prevê R$ 300 bilhões para financiamentos destinados à nova política industrial até 2026. Além dos R$ 106 bilhões anunciados na primeira reunião do CNDI, em julho, outros R$ 194 bilhões foram incorporados, provenientes de diferentes fontes de recursos para dar suporte ao financiamento das prioridades da Nova Indústria Brasil -como foi batizada a política.
Do total de R$ 300 bilhões, Aloizio Mercadante afirmou que R$ 271 bilhões serão para financiamentos, outros R$ 21 bilhões para créditos "não-reembolsáveis" e outros R$ 8 bilhões serão aplicados em participações acionárias.
Mercadante também afirmou que o Sebrae e o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte vão lançar na próxima semana um programa de fundo garantidor para microempresários.
"Para reverter a desindustrialização precoce do país, a nova política prevê a articulação de diversos instrumentos de Estado, como linhas de crédito especiais, recursos não-reembolsáveis, ações regulatórias e de propriedade intelectual, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivos ao conteúdo local, para estimular o setor produtivo em favor do desenvolvimento do país. É usar os recursos públicos de forma responsável para atrair investimentos privados", informou o governo, em nota.
"A política também lança mão de novos instrumentos de captação, como a linha de crédito de desenvolvimento (LCD), e um arcabouço de novas políticas –como o mercado regulado de carbono e a taxonomia verde –para responder ao novo cenário mundial em que a corrida pela transformação ecológica e o domínio tecnológico se impõem", completa.
O texto traça metas e diretrizes até 2033 a partir de seis missões, ligadas aos seguintes setores: agroindústria; complexo industrial de saúde; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade; transformação digital; bioeconomia; e tecnologia de defesa.
Apesar de constar no documento, no entanto, o governo afirmou que as metas ainda serão analisadas nos próximos 90 dias pelo CNDI e que pode haver mudanças.
Autoridades que atuaram na elaboração da política apontam que houve uma preocupação de incluir o poder público em uma posição central do que chamam de neoindustrialização.
Seguindo essa lógica, as empresas nacionais vão ser contempladas com duas iniciativas, linhas de crédito com condições favoráveis, para que possam assumir serviços e obras do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e também contratos com compras governamentais.
O plano fala em linhas de crédito, subvenções governamentais e subsídios na implementação da proposta de transformação ecológica, mas não detalha os instrumentos nem como isso será acomodado dentro das regras fiscais, cujo cumprimento já tem sido colocado em xeque por economistas.
Durante o evento no Palácio do Planalto, integrantes do governo Lula rebateram as críticas a respeito do papel central do poder público na nova política industrial.
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmou que é necessário uma nova relação entre o Estado e a iniciativa privada, para alavancar a imprensa.
"Quero perguntar a esses que todo dia escrevem dizendo que estamos trazendo medidas antigas. Me expliquem a China, me expliquem por que a China é o país que mais cresceu nos últimos 40 anos e esse ano 5,3%. Me expliquem a política econômica americana, 1,9 tri de dólares, subsídio, incentivos", afirmou Mercadante.
"A mesma coisa acontecendo na União Europeia. Nós não temos como reerguer a indústria brasileira sem uma nova relação entre Estado e mercado. Não é substituir o mercado, não é não acreditar na importância do mercado, que é uma instituição indispensável para o desenvolvimento econômico", completou.
Mercadante também pediu ajuda do Congresso Nacional para a aprovação do projeto de lei que autoriza o BNDES a financiar obras executadas no exterior.
Na mesma linha, o ministro da Casa Civil afirmou que "só no Brasil é crime" o Estado liderar um processo de industrialização.
"Muitas vezes nós vimos nos últimos anos questionamento, muitas vezes na mídia, sobre apoio e participação do governo no desenvolvimento industrial, questionando, quando não criminalizando, essa ação pública de apoio e incentivo à indústria nacional. Muitas vezes colocando de forma pejorativa. O Brasil está financiando a venda de um produto para outro país, financiando uma obra em outro país", afirmou Rui Costa.
"E é importante que nesse momento se pergunte, qual nação desenvolvida no mundo não tá fazendo isso hoje em dia. China Coreia do Sul, Alemanha, Estados Unidos. Todos têm bancos, fundos que financiam de forma especial. Só no Brasil isso virou crime e muitas vezes é tratado de forma pejorativa. É importante que nesse momento a gente possa reafirmar: Se nós queremos reverter esse cenário e o Brasil voltar a ter relevância no seu PIB, no parque industrial e no cenário internacional, preciso participação forte do poder publico", completou.
Entre os instrumentos de contratações públicas para alavancar o desenvolvimento industrial do país, o documento aponta que a Comissão Interministerial de Inovações e Aquisições do Novo PAC irá definir os setores em que se poderá exigir a aquisição de produtos manufaturados e serviços nacionais.
O plano fala que a exigência de conteúdo local no âmbito do Novo PAC será implementada em etapas, "ampliando progressivamente o rol de produtos e serviços sujeitos aos requisitos", mas o documento não detalha os patamares de partida nem o ritmo de aumento desses requisitos.
O governo também poderá lançar mão de margens de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais. Isso significa que determinados bens e serviços locais terão a preferência de compra pelo poder público, mesmo que seu preço supere o de itens importados concorrentes até um percentual previamente definido
Em cada uma das missões, o plano traz metas aspiracionais, que servirão como um referencial para direcionar os esforços a serem realizados pelo Estado no desenvolvimento da política industrial brasileira.
Antes mesmo de ser anunciado, a proposta já havia sido alvo de algumas críticas, por reeditar medidas já adotadas em governos petistas anteriores. O presidente da FPE (Frente Parlamentar para o Empreendedorismo), Joaquim Passarinho (PL-PA) chamou a proposta de "nova política industrial velha".
"Tudo nessa política é fomento público, é financiamento público, seja BNDES, sejam outros bancos públicos. Na minha opinião particular, há uma contradição, porque o governo diz que precisa de dinheiro, quer arrecadar, arrecadar, arrecadar, quer cobrar mais impostos das indústrias e ao mesmo tempo quer dar financiamento para elas", afirmou.
O governo Lula, por sua vez, defendeu que a proposta é "moderna" e angariada em experiências que vem sendo implementadas por algumas nações desenvolvidas, como os Estados Unidos e a União Europeia.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços disse que o objetivo é implementar um projeto de neoindustrialização com uma indústria "sustentável, forte e inovadora".
"Baseada em práticas internacionais, a nova política industrial representará melhora na vida das pessoas, aumento da competitividade e da produtividade, mais empregos, inovação e presença no mercado internacional", afirmou a pasta, em nota.