Por Matheus Teixeira e Julia Chaib | Folhapress
Foto: Agência Brasil
O acúmulo de atritos envolvendo o ministro Alexandre de Moraes ampliou o alcance dos questionamentos sobre os limites da atuação do magistrado no STF (Supremo Tribunal Federal). Integrantes do Congresso, do governo e da corte que costumam oferecer respaldo às ações de Moraes agora admitem reparos e reconhecem, nos bastidores, a necessidade de ajustes.
Essas autoridades mantêm apoio ao ministro e destacam a relevância de sua atuação na defesa das instituições. Elas afirmam, no entanto, que uma mudança calculada e gradual de postura seria importante para baixar a temperatura de recentes embates protagonizados por Moraes.
A avaliação é feita, em graus diversos, por políticos e magistrados em postos relevantes dos três Poderes. Alguns pregam recuos concretos, enquanto outros somente apontam que Moraes tende a atenuar os focos de tensão no curso natural de seu trabalho.
Essa percepção se acumulou nos últimos meses e ficou mais abrangente depois de embates recentes no Parlamento e a partir das críticas às decisões de Moraes envolvendo o bloqueio de páginas na plataforma X (antigo Twitter). Este último caso teve a atuação do empresário Elon Musk e de integrantes do Congresso dos EUA.
O ministro vive o momento de maior contestação ao seu trabalho desde que começou a relatar inquéritos no STF que miram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seus aliados e integrantes de uma articulação que, segundo investigações da Polícia Federal, teria como objetivo impedir a posse de Lula (PT).
Mesmo dentro do Supremo, que costuma respaldar suas decisões por ampla maioria, há ministros que demonstram ressalvas à atuação de Moraes, em conversas reservadas.
Um ministro alinhado a Moraes já fez a avaliação de que críticas antes direcionadas ao ministro passaram a se voltar contra a corte como instituição. Isso, segundo integrantes do Judiciário, teve como consequência o avanço de projetos no Senado que miram o STF.
O trabalho do ministro é considerado importante para defender o STF. No entanto, há uma avaliação de que alguns casos acabam por expor o tribunal mais do que blindá-lo.
Por isso, políticos e ministros de tribunais superiores defendem que o ministro atue, inclusive, para concluir os inquéritos polêmicos que relata, como o das fake news e o das milícias digitais, abertos há mais de quatro anos.
Um recuo abrupto, no entanto, é considerado não apenas improvável como contraindicado, uma vez que daria a impressão de que o tribunal estaria na defensiva ou que foi derrotado por Musk. A Folha de S.Paulo ouviu esta avaliação de um ministro do STF alinhado a Moraes e de um integrante da cúpula do Legislativo.
O desfecho das investigações, ainda assim, é considerado próximo pelo fato de as apurações estarem maduras. É visto também como uma medida que pode melhorar a relação com parlamentares.
Magistrados e senadores temem, porém, que aliados de Bolsonaro procurem outras crises para se contrapor a Moraes.
Um cardeal do Senado diz que um gesto prático e imediato para diminuir a tensão com o Congresso poderia ser a rejeição da ação que pede a cassação do mandato do senador Jorge Seif (PL-SC) por suposto abuso de poder econômico na campanha de 2022.
A avaliação de que o Supremo deve enviar sinais aos parlamentares passa por um temor de integrantes do Judiciário de que a próxima legislatura abra pedidos de impeachment contra ministros do STF.
O PL, de Bolsonaro, está empenhado em eleger uma maioria robusta de senadores, o que assusta aliados de Lula e membros do Supremo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem descartado essa hipótese.
Parlamentares dizem que um sinal de que Moraes enfrenta o cenário mais desfavorável desde a abertura do inquérito das fake news, em 2019, é que o próprio ministro iniciou um movimento para se fortalecer diante do aumento das críticas.
Primeiro, articulou com outros integrantes do Supremo um jantar com o presidente Lula.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, o tom da conversa foi de avaliação do contexto político atual. Ministros expressaram preocupação com o avanço das reclamações e principalmente com a constatação de que não há uma base ampla do governo com força para blindar o tribunal.
No dia seguinte ao jantar com Lula, o ministro teve uma reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é pressionado por bolsonaristas para abrir uma CPI a fim de investigar supostos abusos de Moraes. Ele também esteve com Pacheco.
O ex-presidente Michel Temer (MDB), que costuma ser chamado a atuar em momentos de crise por interlocutores diversos, mandou uma mensagem a Moraes para elogiar o gesto.
Essas movimentações, porém, ainda não mudaram o clima hostil entre Moraes e parte do Congresso.
A aposta da maioria do STF nos bastidores, por exemplo, é que não haveria qualquer risco de a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), determinada por Moraes sob acusação de se tratar de um dos mandantes da morte da vereadora Marielle Franco, ser derrubada pela Câmara em condições normais.
Em um caso de grande comoção pública, nenhum parlamentar toparia se expor apenas para dar um recado à corte, segundo essa avaliação.
O cenário, porém, não foi tão tranquilo. Ao final, foram 277 votos para deixar o deputado na prisão, apenas 20 a mais que o necessário, 129 contrários, 28 abstenções e 78 ausências.
A insatisfação do Congresso com Moraes começou ainda no governo Bolsonaro. O clima se acirrou na época, principalmente, após Moraes mandar prender o então deputado Daniel Silveira por ter publicado um vídeo com xingamentos a membros do Supremo.
Após a troca de governo, Moraes se aproximou de Lula, teve influência decisiva na escolha de Paulo Gonet para a PGR (Procuradoria-Geral da República) e de Flávio Dino para o Supremo.
A expectativa de integrantes do tribunal era a de que a aproximação com o novo governo pudesse fortalecer o STF e amenizar o clima ruim para a corte no Legislativo, o que não prosperou devido à vitória eleitoral de muitos bolsonaristas e a fragilidade da gestão petista na relação com o Parlamento.
Além disso, a própria atuação de Moraes contribuiu para a deterioração na relação. O alinhamento dele com a PGR, por exemplo, aumentou, mas mesmo após emplacar um aliado no órgão ele teria seguido com os atropelos à instituição. O ministro já proferiu ao menos quatro decisões importantes com pareceres contrários aos da Procuradoria de Gonet.