Por Alexa Salomão | Folhapress
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
O governo organizou uma reunião com especialistas da área de energia para discutir como amenizar o aumento da conta de luz. Está prevista a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está pessoalmente preocupado com o tema, depois que integrantes do Palácio do Planalto identificaram que o peso da tarifa de energia é um dos fatores que prejudicam a popularidade do mandatário.
De acordo com esses interlocutores de Lula, a percepção é a de que o peso da conta de luz alimenta a sensação de que a economia do Brasil não vai bem, apesar de haver melhora em indicadores como emprego e inflação.
A reunião está agendada para a tarde de quarta-feira (10), no Planalto, e a meta é fazer um diagnóstico sobre o que pressiona o custo da energia e receber sugestões para reduzir a tarifa de forma estrutural.
Segundo o cronograma divulgado pelo próprio governo, Lula abre a reunião a reunião de quarta, e os ministros Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Rui Costa, da Casa Civil, fazem o encerramento. Na última segunda-feira (8), o MME (Ministério de Minas e Energia) fez uma prévia na discussão com algumas entidades.
Não há dúvidas no setor sobre de onde vem a pressão sobre a conta de luz. São inúmeros os estudos mostrando que não é provocada pelo preço da energia elétrica em si, mas pela distribuição desordenada de subsídios e custos adicionais, que não param de crescer.
Boa parte dos aumentos é proposta e aprovada via projetos de lei no Congresso Nacional, por força de lobbies setoriais, não raro com apoio político do governo federal.
Existe neste momento, por exemplo, receio de que o próprio governo Lula promova um aumento do custo da energia para o consumidor residencial no texto da MP (Medida Provisória) que deve assinar nesta terça-feira (9), com a presença de Lula, governadores e parlamentares.
Mantido o que estava na minuta que circulou, os especialistas apontam dois problemas que qualificam como graves. O primeiro deles é a operação que, a pretexto de reduzir o custo da energia no presente, vai elevá-lo no futuro, avalia quem analisou os efeitos da proposta.
A lei de privatização da Eletrobras estabeleceu que a empresa privatizada terá de fazer repasses para fundos regionais (da Amazônia Legal, das bacias do São Francisco e Parnaíba e da área de influência de Furnas) e também para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), onde se concentram os subsídios e custos adicionais repartidos com os consumidores.
Em mais de uma ocasião, o ministro Silveira defendeu a importância de antecipar esses repasses. A alternativa analisada pelo MME, que estava em uma minuta da MP a que a reportagem teve acesso, faz a securitização desses pagamentos futuros com um grupo de bancos.
Na prática, as instituições financeiras viabilizariam a antecipação dos valores a receber da Eletrobras, que seriam utilizados para amenizar a conta de luz de uma só vez no presente.
Com o dinheiro da operação seriam quitados dois empréstimos, o da Conta Covid, que socorreu as distribuidoras na pandemia, e o da Conta de Escassez Hídrica, que na seca de 2021 bancou energia mais cara das térmicas.
O governo espera redução de 3,5% na conta de luz com a antecipação de recursos. Ocorre que sobre essa operação vão recair taxas de administração e juros. Ou seja, na prática trata-se de uma operação de crédito, não de uma mudança estrutural.
Trará alívio momentâneo, mas criará custos adicionais que serão cobrados futuramente dos consumidores na mesma conta de luz. O segundo problema identificado é que a MP abriria caminho para a prorrogação por 36 meses de subsídios para a transmissão de energia renovável, que todos os especialistas apontam como desnecessários.
Em mais de uma ocasião, congressistas incluíram essa prorrogação em projetos de lei em tramitação legislativa que tratavam de energia. A inclusão desses jabutis, nome dado a esse tipo de estratégia no Congresso, foi identificada e mobilizou entidades de consumidores, que conseguiram deter a prorrogação.
Se o subsídio de fato for ressuscitado, desta vez pela caneta do próprio governo Lula, será recebido como uma ação contraditória ao discurso oficial de redução do preço de energia.
Existe a expectativa de que a MP também traga alternativas para deter o aumento na tarifa de energia do Amapá. O aumento foi suspenso pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) numa reunião polêmica.
O custo da energia tem sido especialmente alto para famílias e empresas que estão no chamado mercado regulado, no qual o consumidor é atendido pela distribuidora e não pode negociar o valor da energia, como ocorre no mercado livre, aberto apenas para alta tensão e empresas de maior porte.
Acompanhamento tarifária realizado pela consultoria Volt Robotics mostra que, no ano passado, quem está no mercado cativo pagou, em média, via conta de luz, R$ 726 pelo MW/h (megawatt-hora).
Essa conta não considera os impostos, uma vez que o ICMS dos estados pode variar. No entanto, incluindo a tributação, apenas para dar uma dimensão do peso desse custo, o valor médio sobe para R$ 945 pelo MW/h.
Feitos todos os reajustes e abatimentos de 2023, o valor médio para quem é abastecido pelas distribuidoras, considerando todas as classes de consumo e níveis de tensão, terminou 2023 em R$ 666 pelo MWh, segundo dados da Aneel.
O mercado livre ainda foca a alta tensão e empresas maiores e tem regras bem diferentes, mas, para dar uma dimensão dos custos, os contratos de energia estão na casa de R$ 150 pelo MW/h.
A pedido do Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico), que reúne 20 entidades de todos os segmentos do setor -geração, distribuição e transmissão-, a Volt realizou também um dos mais detalhados levantamentos sobre o avanço do custo da energia ao longo dos últimos anos.
Segundo o estudo, que foi detalhado pela Folha de S.Paulo quando divulgado, de 2013 a 2023, o preço da energia em si cresceu 9%, já descontada a inflação. Os encargos, no entanto, nome dado a subsídios para operação de empresas, como desconto no fio para projetos de energia renovável, e custos excepcionais, como a ajuda a distribuidoras durante a Covid, avançaram 326,5%. Passaram de R$ 32,8 bilhões para R$ 139 bilhões.
A visão geral do setor é que o governo precisa atuar nesses custos adicionais se realmente tem a intenção de deter o aumento na conta de luz.