Dia Nacional do Vira-Lata: Pets mais amados do Brasil também são mais invisibilizados

Por Eduarda Pinto

Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

Os cachorros “vira-latas”, em especial os cachorros caramelo, são uma paixão nacional. Pensando nisso, um dia no calendário anual do país foi dedicado a estes animais. No dia 31 de julho, esta quarta-feira, é comemorado o Dia Nacional do Vira-Lata ou Sem Raça Definida (SRD).
O Brasil ainda é um dos países mais apaixonados pelos amigos de quatro patas. Segundo dados do Instituto Pet Brasil, de 2021, o Brasil possui atualmente 149,53 milhões de pets, o equivalente a 0,69 animais de estimação por pessoa, sendo eles 58,1 milhões de cães.
Entre os amantes de pets, a consultora de vendas paranaense, Mayara Pereira, é uma apaixonada pela causa animal que encontrou uma maneira de ajudar animais de rua com pequenas ações diárias: a consultora transporta, diariamente, um pequeno estoque de ração no carro para ajudar animais de rua.
Fotos: Reprodução / Arquivo pessoal

“As rações no carro começaram quando comecei a trabalhar por Salvador. Eu visitava constantemente entre 14 e 20 lojas por mês, a trabalho, e a maioria em regiões mais periféricas. Eu ficava muito triste quando via os bichinhos na rua, muitos mal tratados, desnutridos”, conta.
“Me doía ter uma vasta disponibilidade de alimentos ali e ver eles com fome. Foi quando comecei a comprar os ‘sachêszinhos’ de ração para oferecer quando encontrava algum. Com o tempo o pessoal das lojas já até separava para mim os sachês”, detalha.
Fotos: Reprodução / Arquivo pessoal

Assim, a consultora foi criando vínculos com alguns desses cães, a exemplo de um “dentucinho” no bairro de Águas Claras. “Não consigo medir quantos dei comida, mas alguns eram fregueses fiéis. Tinha um dentucinho em Águas Claras que ele acompanhava meu carro quando eu chegava na loja e já me esperava descer com o potinho para ele”, diz.
Mãe de pet, Mayara também é cuidadora de três pets atualmente, sendo dois deles vira-latas adotados. No entanto, o amor pelos pets não para por aí, a paranaense costuma “apadrinhar” cachorros em abrigos de Salvador, no mesmo lugar onde ela já adotou um de seus “filhos caninos”.
Foto: Reprodução / Abrigo Aumigos

O Abrigo Animais Aumigos, o qual Mayara contribui, trabalha com o resgate, acolhimento, tratamento de adoção de animais vulneráveis. Em entrevista ao Bahia Notícias, uma das gestoras da ONG, a psicóloga Gabriela Lobo, conta que o projeto atualmente trabalha, em sua maioria, com vira-latas.
"A maioria dos animais acolhidos pelo abrigo são vira-latas. Existem também, animais de raças como pitbull, pinscher, poodle e pastor alemão", detalha. Gabriela ressalta que o Aumigos também investe em conscientização, especialmente por meio das redes sociais.
"A caminhada para esse propósito [a conscientização popular] ainda é longa. Mas é possível com toda certeza. Intitulados como caramelos, os vira-latas passaram a ter maior visibilidade com a formação novos ativistas dentro da proteção animal, entre eles delegados, deputados, vereadores, influenciadores digitais, artistas que abraçaram os vira-latas caramelos como símbolo da causa”, afirma a ativista. Atualmente o Abrigo Animais Aumigos está presente não somente em Salvador, mas também no interior do estado da Bahia, com sedes em Vitória da Conquista, Jequié, Nazaré, São Roque do Paraguaçu, e outros.
Fotos: Reprodução / Abrigo Aumigos

Com relação ao acolhimento dos animais, a médica Aline Quintela ressalta a importância dos cuidados com a saúde dos animais. Em entrevista ao Bahia Notícias, a especialista em Ciências Animais explica que, apesar dos cuidados exigidos pelos cães de raça, os vira-latas ou SDR também necessitam de cuidados e acompanhamento regular, sejam cachorros ou gatos.
“Algumas raças têm predisposição genética a determinadas doenças: como a displasia coxofemoral, que é uma doença que dificulta a locomoção em algumas raças de grande porte como o pastor alemão. Os 'vira-latas', por não terem uma genética pura, tem muito menos chance de carregar esses problemas genéticos. Mas os cuidados básicos com vacinas, alimentação, carinho, passeios e cuidados veterinários é comum a todas as raças”, aponta a médica.
Ao adotar animais de rua, Aline detalha que os cuidados devem ser redobrados. Considerando a vulnerabilidade desses pets, e um possível histórico de maus tratos, a guarda responsável é necessária.
“Ao adotar qualquer animal deve-se realizar, o quanto antes, uma visita ao Médico Veterinário, para realizar uma avaliação clínica, exames complementares - se for necessário -, prescrever medicação para vermifugação e vacinação. É essencial que este animal tenha atenção, alimentação e água fresca, muito carinho e que lhe seja dado tempo para se adaptar à sua nova realidade e à rotina deste novo lar. Além disso, é dar-lhe muito amor e carinho por toda a sua vida. Eles são especiais e merecem”, afirma.

ABANDONO E MAUS TRATOS

No entanto, apesar dos memes e carinho dedicados a estes animais, eles ainda são maioria quando se trata das taxas de abandono, maus tratos e falta de acesso a recursos básicos, como a saúde. A médica veterinária Aline Quintela detalha que o abandono de animais é uma questão complexa e que acaba atingindo especialmente cães sem raça definida.
“Eu acredito que o abandono é multifatorial, mas poderia destacar que algumas pessoas não estão preparadas para ter um pet. Eles são seres vivos que às vezes crescem mais do que o esperado, requerem nossa atenção, estragam coisas dentro de casa, sentem fome, adoecem e tudo isso se reflete em gastos. E, infelizmente, tem pessoas que acreditam que eles podem ser simplesmente descartados, principalmente quando não tem uma raça definida”, explica.
Para Aline, parte da problemática com relação ao direito animal está na falta de políticas públicas. “Faltam políticas públicas que promovam a castração e também uma maior fiscalização em relação à posse responsável e à punição daqueles que abandonam, pois além de se enquadrar como maus tratos, ainda nos levam a questões de saúde pública”, aponta a especialista.
Equipe do REMCA em evento de Adoção no Parque Shopping Bahia. Foto: Arquivo pessoal / REMCA

Junto com Aline, a presidente da Rede de Mobilização pela Causa Animal (REMCA), a socióloga e advogada da causa animal, Ludmila Prazeres, detalha que ações de direito a cidade, meio ambiente e causa animal andam juntas. Ela conta que, no estado, o maior déficit também está nas ações de conscientização.
“Do ponto de vista da Bahia, Salvador e Região Metropolitana, [o direito animal] precisa avançar fomentando a implementação de políticas públicas que atuem de forma preventiva, de forma educativa e que trabalhem a questão da Saúde Única, que é a saúde que envolve tanto a saúde animal, quanto o meio ambiente. Quando você age na raiz do problema, você também está contribuindo com a saúde humana”, afirma.
Ludmila acredita que as políticas de controle das populações de animais de rua, são necessárias para evitar que mais animais sejam colocados em situação de vulnerabilidade.
“É preciso existir política pública de controle populacional. O que é isso? Investir maciçamente na castração desses animais que vivem em situação de rua. Porque isso reduz o abandono”, afirma. E completa: “Quando se age quando se atua de forma efetiva, do ponto de vista de implementar uma política pública que também abarque esses animais que vivem em situação de rua, a gente reduz consideravelmente a questão dos abandonos”.
Atividade socioeducativa nas escolas sobre guarda responsável junto ao Projeto TampetLauro. Foto: Reprodução / REMCA

Atualmente, entre outras ações, o REMCA atua voluntariamente em escolas, comunidades e condomínios promovendo a educação animalista, principalmente no que diz respeito a adoção responsável e defesa de todos os animais. A presidente conta que uma das opções para o modelo social de hoje, em que as pessoas tem menos tempo e menos espaço nas residências, a adoção/apadrinhamento coletivo é uma das opções para ajudar animais de rua, que, em sua maioria, são SDR.
“A gente compreende, do ponto de vista do conhecimento dessa realidade, que não há lares para todos, então é importante trabalhar o conceito do animal comunitário, que é aquele animal que ele não tem um guardião específico, mas tem uma comunidade, um grupo de pessoas, que faz os cuidados para com esses seres, dando todo suporte necessário no que se refere à saúde, a castração, vacinação, alimentação. Do ponto de vista jurídico, é uma guarda compartilhada dessas pessoas”, explica.
Com mais de um milhão de seguidores no Instagram, o projeto da socióloga realiza rifas solidárias para ONGs, abaixo-assinados em prol do direito animal e dá visibilidade a casos de desaparecimento ou violações do direito animal, como maus tratos.
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