Por Joelmir Tavares | Folhapress
Foto: Jose Cruz /Agência Brasil
A quatro meses de completar 90 anos, a deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) diz que está com a saúde "dando para o gasto", após uma internação por três dias no mês passado, e que sairá às ruas em campanha pelo correligionário Guilherme Boulos (PSOL) a prefeito de São Paulo.
A ex-prefeita foi candidata a vice com ele em 2020, quando chegaram ao segundo turno, e correu a cidade no que ficou conhecido como "cata-voto" ou "Erundinamóvel", uma caminhonete adaptada com uma estrutura de vidro para que ela falasse com eleitores sem correr todos os riscos da pandemia de Covid-19.
A veterana quer reativar para este ano o veículo, comparado ao que transporta o papa. "Será equipado com som, para que a gente converse", resume ela, dizendo-se disposta a "ir ao encontro do povo", comportamento que considera responsável por sua gestão (1989-1992) ainda ser lembrada.
Segundo pesquisa Datafolha de março, 11% dos paulistanos consideram que ela foi a melhor prefeita da cidade.
Antes de intensificar a agenda de encontros com apoiadores e eleitores, Erundina falou em entrevista à Folha de sua visão para a capital e deu conselhos a Boulos, sugerindo que dialogue com a cidade e deixe claras suas propostas.
Ela defende que se faça uma "campanha mobilizadora", recuperando a conexão partidária com as bases sociais, e se apresente um projeto "radicalmente democrático", que priorize orçamento para os mais pobres e descentralize a máquina, com participação direta do cidadão e "poder popular".
Questionada sobre o relatório de Boulos pelo arquivamento no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados da suspeita de "rachadinha" do deputado André Janones (Avante-MG), em junho, ela nega ter dúvida do "compromisso ético" do candidato, mas que a decisão dele "não foi legal", "não foi adequada".
"Não me consta em toda a sua trajetória que ele [Boulos] tenha feito alguma concessão ética do ponto de vista da prática política. Não tenho elementos, nem do meu partido, para um juízo de valor sobre a decisão dele em relação àquele caso, mas foi uma situação que precisaria de melhor esclarecimento", afirma.
Erundina teve destaque na convenção que oficializou Boulos como candidato no último dia 20, aparecendo ao lado dos outros dois ex-prefeitos do PT: Marta Suplicy -escolhida por Lula para ser a vice desta vez, o que inicialmente deixou a deputada desconfortável-, e Fernando Haddad.
Erundina afirma concordar com o simbolismo de buscar inspiração nas chamadas "gestões progressistas" ou "populares", mas observa que não basta querer "transplantar pura e simplesmente ações de outros governos, por mais acertos que tenha havido", pois é preciso levar em conta o novo contexto e usar "toda a capacidade e criatividade".
Tão ovacionada pela militância de esquerda no pavilhão quanto Lula, Erundina se referiu ao presidente no discurso como um aliado da luta "por justiça e igualdade de direitos". Sobre Marta, disse que "também governou com participação popular, inverteu prioridades e colocou o poder nas mãos do povo". A petista é quem lidera o ranking dos melhores ex-prefeitos, citada por 16% dos entrevistados.
Indagada a respeito, a deputada diz que as divergências com Marta não têm relação com sua passagem pela prefeitura, mas com "outras razões": o que ela fez anos depois, como senadora pelo MDB, ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e pela reforma trabalhista do governo Temer, por exemplo.
Erundina diz que, se a chapa for eleita, Marta "evidentemente tem elementos" para contribuir no governo, por sua experiência de gestão e de mandatos, mas diz duvidar de uma transferência de votos da ex-prefeita. Os três prefeitos do PT só governaram a capital por um mandato.
"Ninguém transfere com segurança voto para ninguém", afirma ela, defendendo a "autonomia do eleitor" e incentivando que ele seja "rigoroso no juízo de valor sobre o voto", não só siga "recomendação de sicrano ou beltrano".
A ex-prefeita também propõe atenção ao cargo de vice, com base no histórico da cidade, em que vices comumente assumem a cadeira de prefeito, caso de Ricardo Nunes (MDB). "Ele não estava vocacionado para ser prefeito naquele momento, no sentido de estar preparado", diz ela.
Erundina critica o aspirante à reeleição por, segundo ela, ter segurado gastos da prefeitura para as vésperas da eleição, o que "é uma coisa velha, ultrapassada", de quem quer "se beneficiar eleitoralmente".
"Isso é errado. Você tem que gastar o máximo de recursos e cada recurso que entra é para poder atender a uma demanda que é ilimitada, de todas as políticas públicas de uma cidade-país como é São Paulo", diz.