Por Ricardo Della Coletta e Nathali Garcia | Folhapress
Agência Brasil/ EBC/ Divulgação
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lança na quarta-feira (24) uma proposta que pretende dar dimensão internacional ao combate às desigualdades sociais e deve receber os primeiros anúncios de apoio financeiro de outros países.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é a principal bandeira do Brasil no G20. O evento desta quarta no Rio de Janeiro contará com a presença de Lula. O governo chama o ato de "pré-lançamento", sob o argumento de que o projeto só será oficializado em novembro, na cúpula do Rio.
Um dos pilares da proposta se apoia em uma espécie de repositório de políticas de assistência social consideradas exitosas ao qual países poderão recorrer para desenvolver medidas semelhantes em seus territórios.
Além de governos, também poderão se juntar organizações internacionais, bancos multilaterais e outras entidades.
A expectativa é a de que Brasil e Bangladesh sejam os primeiros países a aderirem formalmente à iniciativa. O país já obteve sinalizações da Espanha e da Noruega sobre contribuições financeiras para dar o impulso inicial à estrutura institucional da aliança contra a fome --o governo Lula deve arcar com metade dos custos da estrutura administrativa do projeto.
Apesar de já ter conseguido essas primeiras promessas, o Brasil não conseguiu emplacar no documento fundacional um compromisso firme de todos os países do G20 sobre ajuda com recursos.
Ao todo, a presidência brasileira vai divulgar quatro documentos, entre eles um texto com os critérios para inclusão de políticas públicas em um "cardápio" de ações sociais que será ofertado aos interessados pela iniciativa.
A aliança será guiada pelo conceito de facilitar a conexão entre países, organizações e fontes de financiamento disponíveis para ações de combate à fome. Seu objetivo será ajudar no desenho de políticas sociais específicas para determinados países que solicitem ajuda, indicando também soluções para a obtenção dos recursos de implementação.
O Brasil se coloca num papel central nesse processo como possível exportador de casos de sucesso, seja pelo histórico de políticas sociais em larga escala, como o Bolsa Família e o Cadastro Único, seja pela imagem de Lula como um líder empenhado no combate às desigualdades.
No documento fundacional do projeto, os países do G20 reconhecem que acabar com a pobreza é um desafio global e pré-requisito para o desenvolvimento sustentável.
Os governos também dizem no texto que nos últimos anos houve retrocessos nos objetivos do desenvolvimento sustentável de erradicação da pobreza e fome zero por diversas razões: mudanças climáticas, pandemia, crise econômica e conflitos.
A declaração deve apontar ainda para gargalos existentes para o financiamento de ações de enfrentamento à redução das desigualdades, por causa de restrições orçamentárias nos países ou pela fragmentação de projetos, muitas vezes em diferentes organizações não governamentais.
Os últimos meses foram de negociações para conseguir elaborar textos de lançamento da aliança que fossem aceitáveis para todos os países envolvidos --membros do G20 e alguns convidados.
Além do documento político que marca a criação da iniciativa, haverá um modelo para o termo de compromisso que os países que aderirem precisarão assinar e um texto com o detalhamento sobre a estrutura de funcionamento da aliança.
Representantes estrangeiros disseram à reportagem que a proposta brasileira dá um impulso político ao enfrentamento à pobreza que faltava na agenda internacional.
Mas o processo de negociação teve percalços, e o governo Lula foi obrigado a ceder em alguns pontos, principalmente naqueles relacionados à estrutura da aliança e a compromissos de financiamento.
Desde o início, países do G20 questionaram qual seria o valor agregado da proposta, uma vez que o enfrentamento a fome já é alvo central de ações da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e do PMA (Programa Mundial de Alimentos).
Também houve resistência de países para aceitar documentos que fossem promessas de recursos.
O documento inicial, que circulou no início do ano, dizia por exemplo que os países iriam "apoiar a Aliança Global no processo de reunir e alavancar recursos e experiências para canalizá-las onde elas são mais necessárias".
Diferentes governos disseram que a linguagem era vinculante e que, sem alterações, em alguns casos eles precisariam até mesmo de autorização dos seus legislativos para aderir à aliança.
A versão final mudou e destaca que qualquer apoio será voluntário. Nesse sentido, deve afirmar que é preciso mais trabalho para se analisar os desafios atuais no financiamento global de ações de desenvolvimento.
Os países também negociaram a composição do fórum político que será criado para acompanhar e tomar decisões na aliança.
Chamado de Board of Champions, ele poderá ser formada por representantes de até 25 países, além de indicados de organizações internacionais como a FAO, FMI (Fundo Monetário Internacional) e bancos multilaterais.
Haverá ainda um secretariado mais enxuto responsável por atividades de manutenção da aliança, com pessoal preferencialmente cedido por outras agências internacionais. Eles devem se dividir entre Roma, sede da FAO, e Brasília.
Destravar o financiamento inicial dessa estrutura administrativa foi um dos complicadores nas negociações.
Diferentes países expressaram desde o início que não concordavam com a criação de uma nova organização internacional --algo que negociadores brasileiros negam que tenha sido cogitado.
Para contornar essas críticas, o Brasil deve incluir na declaração um trecho em que destaca a legitimidade do sistema internacional de combate à fome já existente, principalmente a FAO e o PMA.
Além do mais, o governo Lula prometeu financiar pelos próximos anos pelo menos metade dessa estrutura. O cálculo do custo total necessário é de cerca de US$ 3 milhões (R$ 16 milhões) por ano.
O Brasil buscou nos últimos meses apoio de outros países para conseguir o financiamento necessário para pelo menos tirar a estrutura básica do papel. Nos últimos dias, os ministros Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) se reuniram com representantes de potenciais novos doadores.
O Itamaraty divulgou nas redes sociais que ministros da Alemanha, Arábia Saudita e Japão manifestaram apoio ao projeto.
Durante as tratativas, negociadores afirmaram que o Brasil estava disposto até mesmo a bancar sozinho o secretariado da aliança até pelo menos 2030. Nesse horizonte, a previsão era que o governo precisaria desembolsar até R$ 30 milhões.
A avaliação do governo Lula é que o mais importante é o G20 endossar a proposta da aliança mesmo que nem todos os membros venham a aderir formalmente à iniciativa.