Foto: Leon Neal/AFP
Se estivesse vivo, o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela teria completado 106 anos na quinta-feira, 18. Em uma publicação de homenagem ao símbolo da luta contra o apartheid, regime de segregação racial que vigorou na África do Sul no século passado, o Instituto Lula, ligado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comparou as trajetórias do petista e do líder sul-africano.
Segundo a fundação, tanto Lula quanto Mandela “foram perseguidos, condenados e presos sem terem cometido nenhum crime”. A publicação do instituto também afirma que ambos foram “vítimas da injustiça”.
A comparação do Instituto Lula não é a primeira a equiparar o petista com o ex-líder contra a segregação racial. Em junho de 2023, o advogado Cristiano Zanin, indicado por Lula a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), foi sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Zanin era advogado de Lula antes de assumir o posto de ministro do Supremo. Elogiando a indicação, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, argumentou que a situação era similar ao que tinha feito Nelson Mandela na África do Sul. “O presidente da República, após um longo período na prisão, nomeou o seu advogado para a Corte. Mas o presidente não era Lula, era Nelson Mandela. Teve a honra de ser indicado por Luiz Inácio Lula da Silva, a indicação lhe qualifica”, afirmou Randolfe, referindo-se a Zanin.
Ainda durante a sabatina, o paralelo entre o petista e Mandela foi criticado por Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição. “Quem dera se o espírito do presidente Lula fosse o mesmo de Nelson Mandela”, disse o senador.
Antes da comparação durante a sabatina, apoiadores de Lula já haviam feito o paralelo nas redes sociais. Em abril de 2018, quando o petista foi preso, uma montagem com a inscrição “De tempos em tempos prendem um Lula”, comparando o então ex-presidente brasileiro a nomes como Gandhi, Martin Luther King e Mandela, foi replicada por perfis como os das deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS) e de Paulo Pimenta (PT-RS), ministro-chefe da Secretaria Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.
Antes disso, o próprio Lula, no dia do falecimento de Nelson Mandela, já havia se comparado ao líder sul-africano. Era 5 de dezembro de 2013 quando o petista compareceu a um evento em Diadema, na Grande São Paulo. Antes de iniciar o discurso, pediu um minuto de silêncio em homenagem a Mandela, falecido horas antes da agenda.
“Uma das pessoas mais extraordinárias que eu já conheci”, disse Lula sobre o sul-africano. Em seguida, afirmou que havia um paralelo entre a sua trajetória como líder sindical e a de Mandela como líder da luta contra o apartheid. “Não tinha sentido a maioria negra ser governada pela minoria branca. Acontecia comigo a mesma coisa”, disse Lula, afirmando que, no seu caso, a maioria de trabalhadores, da qual fazia parte, não era governada por outros trabalhadores.
O que foi o apartheid?
O apartheid foi a norma de segregação racial que regeu a África de Sul na segunda metade do século 20, de 1948 a 1993. Mandela se engajava na luta por direitos civis desde o início da década de 1940, quando já vigorava na África do Sul uma ordem social racista.
Com o apartheid e o agravamento do quadro, foi processado por diversos crimes de traição e conspiração ao Estado sul-africano. Em um desses processos, em 1964, foi condenado à prisão perpétua O Estado que o acusava de conspiração, contudo, era o instaurador de uma ordem social racista, que discriminava, em lei, diretos desiguais a pessoas brancas e negras, além de segregar espacialmente as etnias do país.
Durante os anos em que esteve na prisão, passou a ser o símbolo da resistência ao regime racista. Sob pressão internacional, Mandela foi libertado pelo presidente Frederik de Klerk em 1990. No pleito presidencial seguinte, em 1994, foi eleito chefe de Estado e liderou a África do Sul nos primeiros anos após a abolição do apartheid.
Enquanto Mandela foi condenado pela luta contra o racismo por um Estado de instituições racistas – em um processo, portanto, viciado em si mesmo -, Lula teve acesso ao devido processo legal no caso em que acabou condenado à prisão por corrupção, envolvendo um apartamento triplex no Guarujá.
Além das garantias ao contraditório às quais teve direito durante o processo, quando o caso era julgado na 13ª Vara Federal de Curitiba, do então juiz Sérgio Moro, Lula teve acesso às instâncias recursais, como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Em julho de 2017, Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão pelo caso do triplex do Guarujá. No TRF-4, em janeiro de 2018, a pena foi ampliada. O petista ainda recorreu aos chamados “embargos de declaração”, que são os recursos possíveis após a determinação de uma sentença. Depois de esgotadas todas as garantias legais de Lula, Moro determinou a prisão do então ex-presidente, em abril de 2018.
Em 2019, após meses na prisão, o petista foi beneficiado com uma mudança de entendimento do STF com repercussão geral, segundo a qual uma prisão não poderia ser decretada após o julgamento da segunda instância. Em 2021, por oito votos a três, o STF anulou a condenação de Lula. O entendimento predominante para a anulação foi o de que a denúncia envolvendo o petista não deveria ter sido julgada em Curitiba, e sim em Brasília.
Estadão Conteúdo.