Por Douglas Gavras | Folhapress
Foto: Diego Giudice / Bloomberg
Javier Milei vem promovendo a desaceleração da inflação na Argentina, mas as dúvidas quanto à sustentabilidade de suas medidas econômicas pressionam os preços em dólar.
De uma cesta com 46 itens --de alimentos, vestuário, eletrônicos, automóveis e combustíveis--, em 38 os preços na moeda norte-americana estão acima da média de cinco países, incluindo o Brasil.
O dado é de um levantamento da consultoria PxQ, que considera valores de junho de 2024.
A comparação aponta, por exemplo, que um litro de leite na Argentina custava US$ 2 (pelo câmbio oficial) enquanto saía, em média, por US$ 1,19 em países da região.
Medido pela taxa de câmbio paralelo (do tipo CCL, usado em operações financeiras), o leite argentino chegava ao consumidor por US$ 1,45 --ainda acima de outros países.
"Com um detalhe: a Argentina é uma grande produtora de leite", ressalta a análise do economista-chefe da PxQ, Pedro Martínez Gerber.
Na metade de 2023, ainda durante o governo do peronista Alberto Fernández, os preços dos produtos argentinos estavam entre os mais caros da região na taxa de câmbio oficial.
Só que na taxa de câmbio paralelo, os alimentos na Argentina estavam, em média, 50% abaixo de outros países da região. Para vestuário, veículos, medicamentos e eletrônicos, os preços eram equivalentes.
Isso ajuda a explicar o aumento na procura de turistas estrangeiros pelo país na época, inclusive de brasileiros, que obtinham grande vantagem ao trocar dólares em operações no chamado câmbio blue.
Já em junho de 2024, seis meses após a eleição de Milei, os alimentos ficaram caros também na taxa paralela e os bens duráveis dispararam (para eletrodomésticos, a diferença chega a 150%).
De um grupo de nove alimentos, apenas o frango teve queda de preço no dólar paralelo em um ano.
Um telefone celular na Argentina está de 40% a 130% mais caro. Algo similar ocorre com itens de vestuário e outros eletrônicos.
Na aquisição de veículos, os preços estão 11% mais altos (pelo dólar paralelo) e 46% (na taxa de câmbio oficial). Para medicamentos, as altas são de 2% e 35%, respectivamente.
Com isso, os argentinos vão a países vizinhos, como o Chile, em busca de produtos mais em conta.
"A inflação parece contida, mas a gente não consegue comprar nada aqui", diz Jorge Sarzas, de El Carmelo (na província de Mendoza), que acaba de voltar da capital chilena com um novo notebook.
Para o trabalhador argentino médio, muitos produtos se tornaram inacessíveis.
Embora alguns empregados formais tenham conseguido aumentos acima da variação do câmbio paralelo, o salário medido em dólares em 2024 é um dos mais baixos em 30 anos.
A inflação em dólares é influenciada tanto pelo aumento dos preços locais quanto pelo valor do dólar em relação ao peso.
Após a taxa de câmbio saltar com a desvalorização do peso feita a partir da posse de Milei, a inflação acelerou, passando de 12,8% mensal (em novembro de 2023) para 25,5% (em dezembro).
Pelo dado mais recente do Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos), a inflação mensal argentina foi de 4% em julho --a menor desde 2022-- e de 87% no acumulado do ano.
A taxa de câmbio sobe abaixo da inflação, com o dólar oficial a $ 972 pesos argentinos e aumentando a um ritmo fixo de 2% ao mês. Já o CCL era cotado a $ 1.298 pesos argentinos na sexta-feira (30) e, em sete meses, subiu 33%.
"Isso faz com que os preços subam acima do dólar, e os produtos ficam caros na moeda. As economias que mais sofrem são as das cidades da fronteira, que antes recebiam turistas para compras", diz o economista Santiago Bulat, da Invecq Consulting.
Para Bulat, o país deve continuar caro em dólar. "O governo não quer desvalorizar o peso e a inflação segue em torno de 4%."
Em meio a um programa baseado em ajuste fiscal e com consequências recessivas, o governo tem tido dificuldade para acumular reservas e aposta na repatriação de recursos e em um regime de grandes investimentos, que só deve mostrar resultado a médio e longo prazos.