Emendas Pix jogam 12% do investimento federal no escuro

Por Gustavo Patu e Igor Gielow

Foto: Reprodução / FolhaPress

Com o advento das emendas parlamentares apelidadas de Pix, que a exemplo da modalidade de transferência bancária facilitam a inclusão de despesas no Orçamento por deputados e senadores, 12% dos investimentos do governo federal nos últimos dois anos têm finalidade desconhecida.
Nos balanços do Tesouro Nacional, que mostram R$ 118,9 bilhões investidos em 2023 e 2024, R$ 14,3 bilhões decorrentes desse tipo de emenda estão classificados apenas como "encargos especiais".
Esse montante é superado apenas pelos destinados a transporte (R$ 27,8 bilhões) e defesa nacional (R$ 17,3 bilhões). Atrás dele vêm os investimentos em urbanismo (R$ 12,4 bilhões), educação (R$ 10,2 bilhões) e saúde (R$ 8,6 bilhões).
Investimentos são gastos em obras de infraestrutura e compras de equipamentos destinados a elevar a capacidade de produzir e prestar serviços públicos —daí serem tidos como essenciais para o crescimento duradouro da economia.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleceu metas de desembolso mínimo desse tipo de despesa, mas hoje não é possível saber de que modo se deu toda a expansão. O Tesouro e a Fazenda não quiserem comentar.
As emendas Pix, que tecnicamente são chamadas de "transferências especiais" no Orçamento, permitiram a parlamentares enviar recursos diretamente para prefeituras, principalmente, e governos estaduais sem necessidade de convênio ou identificação do projeto a ser contemplado. Sua execução é obrigatória.
Em outras modalidades de emendas, é possível saber mais sobre o uso do dinheiro. Remessas de deputados e senadores para seus redutos eleitorais elevaram investimentos federais em urbanismo, uma finalidade mais típica de municípios, educação e saúde, por exemplo.
As emendas Pix, uma herança da entrega das chaves do Orçamento ao Congresso por Jair Bolsonaro (PL) para manter sua governabilidade no fim do mandato, estão no centro da grande queda de braço envolvendo Legislativo, Executivo e Judiciário.
Em 1º de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, ex-ministro da Justiça de Lula e indicado pelo petista para a corte, suspendeu todas as emendas parlamentares até que critérios de transparência e rastreabilidade fossem adotados. No caso das Pix, encomendou uma auditoria à parte.
Suspeitando de uma jogada conjunta de Dino com Lula, que quer retomar o controle que considera excessivo do Orçamento por parte dos parlamentares, o Congresso ameaçou retaliar o governo.
O presidente aquiesceu, liberando emendas travadas, e os deputados e senadores passaram a trabalhar em um projeto de lei para regular a prática, que foi aprovado em novembro.
Enquanto isso, inúmeros relatos acerca do emprego das Pix e de outras emendas por parte de políticos para turbinar prefeituras de parentes e redutos eleitorais de forma opaca se multiplicaram no noticiário. A Polícia Federal investiga diversas suspeitas de desvios das verbas.
Em 2 de dezembro, o magistrado decidiu liberar os pagamentos, mantendo ressalvas. No caso das Pix, elas só podem ser liberadas com um plano de trabalho prévio e a indicação das contas bancárias das prefeituras em que os valores serão depositados.
Para as emendas ainda paradas, anteriores a 2025, os autores das emendas ganharam 60 dias para apresentar suas justificativas e detalhamento do projeto. No fim do ano, Dino voltou a suspender alguns pagamentos, afetando até a base do então todo-poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O próximo round da disputa será no dia 27, quando Dino receberá o novo comando do Congresso, agora liderado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), ambos objetos de denúncias acerca do destino de suas emendas.
A questão da transparência das Pix é a mais evidente, mas talvez não seja a mais grave, argumenta o analista Humberto Nunes Alencar, do Ministério do Planejamento, autor de tese de doutorado sobre o tema. Para ele, o maior impacto é nas políticas de longo prazo.
"O problema é a falta de planejamento", diz. O fato de as emendas Pix não serem atreladas a metas do PPA (Plano Plurianual, que orienta a elaboração de Orçamentos anuais) as torna radicais livres de gestão pública.
O analista aponta que há tentativas de melhorar o rastreio dos recursos, ainda não testadas. "Foi colocada na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) uma série de dispositivos para que os municípios sejam mais transparentes", diz.
As emendas Pix foram incluídas na Constituição em 2019, a partir de uma proposta originalmente apresentada pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Alencar também descreve em sua tese uma série de problemas que vêm com a opacidade. Ele compara a aplicação das emendas de 2020 a 2023, e mostra que municípios pequenos são muito mais contemplados. "Essa discrepância, no Brasil, é clara. Quem vai checar o que ocorre com o dinheiro uma cidadezinha distante?", questiona.
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