Futuro de Hong Kong será de mais repressão, diz ativista político exilado em Londres

Thiago Amâcio / São Paulo, SP

Peça central nos movimentos pró-democracia que abalaram a última década de Hong Kong, Nathan Law, 28, não é otimista diante do horizonte futuro da cidade. Os próximos cinco anos devem ser de mais repressão, afirma o ativista político em entrevista.
Deputado mais jovem a ser eleito no país, em 2016, cassado e preso no ano seguinte, Law diz que a repressão em Hong Kong passa uma mensagem clara a outras regiões em conflito com a China continental, como Taiwan: em pouco tempo um território livre pode ter sua autonomia destroçada, como aconteceu depois da Lei de Segurança Nacional, que sufocou a dissidência política.
Considerado foragido em sua cidade natal e exilado em Londres, ele afirma que o ativismo político em Hong Kong mudou com as limitações atuais à liberdade de expressão, mas não morreu.*
Pergunta: Hong Kong completa nesta semana 25 anos do retorno ao domínio chinês. Os anos mais recentes foram de repressão a movimentos pró-democracia. Como serão os próximos 25 anos?
Nathan Law: Vinte e cinco anos são muito tempo. Primeiro, no futuro próximo, John Lee será o novo chefe do Executivo. Ele era da polícia e liderou a campanha de repressão aos protestos populares. Ele será um líder bem draconiano, e não veremos Hong Kong dar sinais de melhora por agora. Os próximos cinco anos serão muito cruéis.
Mas, mais adiante, acredito que o sistema chinês não é sustentável. Não acredito que o totalitarismo vá durar para sempre. Há um grande problema econômico doméstico, um problema demográfico [a população chinesa está envelhecendo], eles estão lutando para conseguir apoio em nível internacional. Não acredito que no longo prazo o regime vai continuar intacto. Eles vão ter que encarar crises, e, quando há crises, pode haver mudanças. Pode ser para melhor ou para pior, mas haverá mudança.
P.: Desde o começo da Guerra da Ucrânia, as atenções se voltaram para a possibilidade de um conflito envolvendo Taiwan. Que mensagens a atuação de Pequim em Hong Kong passam para os taiwaneses?
NL: A mensagem é muito clara. A política de “um país, dois sistemas” [sob a qual a China respeitaria as liberdades locais de Hong Kong por 50 anos, até 2047] é uma mentira. Se você for governado pelo regime comunista chinês, não terá seu modo de vida, democracia e direitos humanos respeitados. A lição é clara, e por isso as pessoas têm receios em relação à chamada “reunificação” com a China.
O caso de Hong Kong é muito icônico, mostra como uma cidade livre pode se degradar até se tornar um estado autoritário em um período de menos de dois anos [desde a aprovação da Lei de Segurança Nacional]. Nossa sociedade civil, com décadas de fundação, foi demolida.
P.: Há conexões entre grupos de ativistas de Hong Kong e de outros grupos contrários ao domínio de Pequim, como taiwaneses, tibetanos e uigures?
NL: Há atividades que organizamos juntos. Fizemos uma campanha enorme de boicote às Olimpíadas de Inverno, com uigures, tibetanos, taiwaneses e honcongueses, sempre no sentido de ampliar a percepção internacional sobre os abusos de direitos humanos na China.
P.: Quais são suas aspirações? Querem que Hong Kong seja independente ou que faça parte de uma China democrática?
NL: Para mim, primeiro e mais importante, quero que Hong Kong seja livre e democrática. Mas o futuro é muito dinâmico. Isso pode acontecer com uma China livre e democrática, ou pode ser com eles respeitando nossa vontade de fazermos reformas. Não posso prever como a história vai evoluir.
P.: Como avalia a pressão internacional contra a China, que endureceu nos últimos anos?

NL: Temos visto sinais de que o Ocidente está competindo com a China em muitos níveis diferentes. Por exemplo, o G7 acabou de lançar um plano para competir com a Nova Rota da Seda. Temos visto Europa e EUA tomando medidas para reduzir a dependência de Pequim. São pontos importantes para reduzir a influência chinesa e garantir que o totalitarismo não vai se beneficiar da abertura de sociedades democráticas.
P.: Hoje o senhor atua principalmente no exterior. Apenas a pressão internacional é suficiente?
NL: Muitos componentes devem atuar juntos. Movimentos de resistência em campo, pressão internacional e manutenção do foco em Hong Kong. Não há um único caminho. Pessoas diferentes devem ocupar papéis diferentes. Por exemplo, eu não posso organizar protestos porque é muito perigoso para todo mundo, então essa responsabilidade precisa ser assumida por outras pessoas.
P.: Há ativismo político na clandestinidade? Ou os movimentos pró-democracia foram de fato neutralizados em Hong Kong?
NL: Os protestos que vimos em 2019 não vão mais acontecer, ao menos não no futuro próximo. O ativismo democrático hoje se concentra mais no apoio a prisioneiros políticos e menos em falar em público suas posições políticas, porque agora as pessoas preferem estar em segurança. Ainda existem certos grupos políticos que querem fazer algo, mas não tão barulhentos como antes.
P.: O senhor é considerado foragido pela polícia. Como é sua relação com a cidade hoje, além do ativismo político? Mantém contato com a família e pensa em regressar?
NL: Hong Kong é o lugar onde eu quero ser enterrado. Voltar agora, no entanto, é difícil, eu poderia passar décadas na prisão. Mas tendo a acreditar que conseguirei voltar daqui a algum tempo, provavelmente um longo tempo.
Minha família toda ainda está lá, mas, quando saí de Hong Kong, anunciei publicamente que cortaria laços com eles, para protegê-los, e não tenho contato desde então. Acredito que eles estão bem, até onde sei não sofrem assédio nem se tornaram alvos do governo. Fico feliz por isso.

RAIO-X

Nathan Law, 28
Foi um dos líderes do Movimento dos Guarda-Chuvas, que tomou por semanas as ruas da cidade em protestos pró-democracia em 2014. Foi eleito em 2016 o deputado mais jovem da região administrativa chinesa, até ter seu mandato cassado e ser preso no ano seguinte. Em 2020, após a promulgação da Lei de Segurança Nacional, deixou Hong Kong, onde é considerado foragido, e se exilou em Londres.
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