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Amigos e compadres desde que passaram pelos bancos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, os juristas José Carlos Dias e Flávio Bierrenbach se reuniram em almoço no Edifício Itália, em 1977. Tinham um dilema. O aniversário de 150 anos da faculdade do Largo de São Francisco se aproximava e a comemoração seria conduzida pelo então diretor da escola, Alfredo Buzaid.
Com Almino Afonso, que também participava da reunião, não se conformavam que a faculdade fosse homenageada pelo professor que comandou o Ministério da Justiça no governo Médici e defendeu o AI-5. Decidiram organizar um evento alternativo.
Foram ao então professor de Ciência do Direito e de Teoria Geral de Direito Goffredo da Silva Telles com uma mensagem: não era possível celebrar 150 anos da faculdade homenageando a ditadura. A iniciativa foi o impulso que levou à produção da “Carta aos Brasileiros” de 1977, texto redigido e lido por Goffredo nas arcadas, em ato considerado importante resposta de mobilização da sociedade civil pela redemocratização do País, então sob regime militar.
Depois de 45 anos, parte dos que assinaram a carta de 1977 planeja voltar ao pátio da faculdade no dia 11 de agosto. Desta vez, para defender a democracia pela qual lutaram décadas atrás para conquista. “Eu gostaria de estar vivendo numa democracia plena. Eu sou obrigado a dizer, nos meus 83 anos, que me sinto na necessidade de estar lutando com outras pessoas de todas as idades e classes sociais para garantir a democracia que está por um fio”, afirmou Dias, que é presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, foi ministro da Justiça de FHC e coordenador da Comissão Nacional da Verdade.
Dias e Bierrenbach, que é ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, disseram que a leitura da carta, em 1977, tinha duas dimensões: a de denúncia e a da esperança. “Naquele momento, não havia ninguém melhor do que o Goffredo para fazer isso. A carta foi escrita por ele e lida no pátio da faculdade, no cair da tarde do dia 8 de agosto, para significar uma rejeição do mundo jurídico àquilo que estava acontecendo”, relatou Bierrenbach. Agora, os dois consideram que o País está diante de um risco de ruptura democrática, o que os leva a endossar o novo movimento. “Nós vamos enfrentar”, disse o ex-ministro.
Honra
A Faculdade de Direito da USP pensa em organizar um lugar de honra para os signatários da carta de 1977 que têm confirmado presença no evento. Alguns têm mais de 90 anos, como o professor José Afonso da Silva. Dos signatários da carta de 1977 quase todos aceitaram assinar o novo texto. De 19 contatados, 18 assinaram a carta antes da divulgação.
Apoiador da carta de 1977, Modesto Carvalhosa foi o único procurado pela organização do ato que não aderiu à iniciativa de agora. “O movimento é muito legítimo, mas faz elogios ao Supremo Tribunal Federal. Eu não concordo com os elogios, portanto não posso assinar uma carta que, embora defenda os princípios democráticos, faz elogios ao Supremo”, disse Carvalhosa.
Adesões
Os movimentos de defesa da democracia ganharam mais adesões. Nesta sexta, 29, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP) anunciou que vai assinar o documento em defesa da democracia elaborado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A Fecomércio representa 1,8 milhão de empresários. Serão dois manifestos – o da Fiesp e o da faculdade, que ontem já tinha mais de 400 mil assinaturas.
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