O plenário virtual do STF (Supremo Tribunal Federal) começou a discutir se a reforma da Previdência é constitucional. As mudanças nas regras do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) passaram a valer há quase três anos, em 13 de novembro de 2019.
Com um voto pela constitucionalidade e um voto divergente, o julgamento está empatado e foi paralisado após pedido de vista. Ao todo, foram condensadas 12 ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) em um único julgamento, que começou no dia 16 e deveria terminar na última sexta-feira (23), mas foi interrompido.
Até agora, há o voto do ministro relator, Luís Roberto Barroso, a favor de manter as regras contestadas, e uma divergência aberta pelo ministro Edson Fachin sobre parte do relatório de Barroso.
Para o ministro, a reforma é constitucional. Fachin aponta inconstitucionalidade em dois pontos: cobrança extraordinária a servidores e regra de cálculo diferente para mulheres no RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e RPPS (Regime Próprio de Previdência Social).
O pedido para suspender o julgamento e analisar melhor os casos foi feito pelo ministro Ricardo Lewandowski. Os processos só voltarão a andar quando ele apresentar seu voto. A partir de então, os demais ministros poderão dar seus pareceres.
Ações debatidas no plenário virtual podem ser discutidas no plenário físico, caso algum ministro peça destaque. Destaque foi a manobra usada pelo ministro Kássio Nunes Marques no julgamento da revisão da vida toda para aposentados do INSS.
O voto de Barroso, com 153 páginas, traz considerações sobre o que foi apontado por associações e partidos políticos a respeito da reforma. Para ele, no entanto, as normas aprovadas são constitucionais e estão de acordo com a legislação previdenciária de vários países do mundo.
“A população brasileira está vivendo mais. De acordo com projeções da Organização das Nações Unidas, em 2100, o Brasil será o 10º maior país do mundo em proporção de idosos”, diz em um trecho no qual também aponta preocupação com as contas da Previdência.
“O déficit previdenciário é incontestável e teve piora significativa nos últimos anos. […] Reformas na Previdência Social que reduzam o endividamento público podem ter impactos macroeconômicos positivos, como o estímulo ao consumo e à produção”, afirma.
CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA PARA SERVIDORES APOSENTADOS É CONTESTADA
Para o ministro, no entanto, há apenas um ponto a ser observado, que é a criação da contribuição extraordinária a servidores que já estão aposentados. Embora Barroso não tenha considerado a questão inconstitucional, afirma que é necessário haver comprovação de déficit para instituir cobrança extra a servidores inativos.
“A mera previsão constitucional acerca da possibilidade, em tese, de se criar a contribuição extraordinária não constitui ofensa a cláusula pétrea”, diz. Segundo ele, se a contribuição extra for aprovada, é preciso analisar, conforme o caso, se há violação à Constituição.
Segundo a reforma, quando houver déficit previdenciário, há autorização para cobrança extra no benefício de quem já está aposentado ou recebe pensão, a fim de sanar o rombo. No estado de São Paulo, desde 2020, servidores aposentados e pensionistas que ganham entre um salário mínimo e o teto da Previdência têm desconto no benefício. A cobrança já existia antes para valores acima do teto.
EDSON FACHIN APONTA INCONSTITUCIONALIDADE NA REFORMA DA PREVIDÊNCIA
O ministro Fachin divergiu do relator para apontar o que considerou inconstitucionalidade na reforma. Segundo ele, a cobrança extraordinária sobre benefícios dos aposentados fere o “caráter social e distributivo” da Constituição.
O ministro também considera inconstitucional a regra de cálculo que beneficia mulheres que se aposentam pelo INSS e não se estende às servidoras do regime próprio. De acordo com a reforma, mulheres passam a ter acréscimo de 2% a cada ano extra de contribuição após 15 anos de pagamentos ao INSS. Para as servidoras, o adicional só começa a ser considerado após 20 anos de contribuição ao regime próprio.
ESPECIALISTAS CONTESTAM
A advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), considera que o julgamento das ações de forma conjunta é prejudicial ao segurado e não traz a segurança jurídica que se buscava quando associações, sindicatos e partidos foram ao Supremo. Para ela, cada ponto deveria ser debatido separadamente.
“É muito ruim uma Ação Direta de Inconstitucionalidade geral. Acho que nunca tivemos na história uma Adin que considerasse uma lei inteira inconstitucional. A reforma é muito séria, complexa, envolve uma série de questões técnicas”, diz.
Outro ponto criticado por ela é o tipo de julgamento que, em sua opinião, deveria ser presencial e não no plenário virtual. “Não é o tipo de discussão para o plenário virtual; é importante o presencial, porque os que ministros podem discutir entre si o tema, além de haver sustentação oral”, afirma.
O advogado Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), vê como uma perda para a população o voto do relator em favor da constitucionalidade da reforma.
“Infelizmente, para nós que defendemos vários pontos de inconstitucionalidade na reforma, como cálculo da pensão por morte e da aposentadoria por invalidez, esse posicionamento do ministro Barroso vai em desacordo com várias decisões já tomadas em outras instâncias que entendiam a inconstitucionalidade”, afirma.
Cristiane Gercina/Folhapress