Foto: AFP
MICHELE OLIVEIRA
Uns fazem o sinal da cruz, outros filmam e se fotografam com o celular. Há quem demonstre um semblante mais consternado e tem os que parecem estar cumprindo mais uma etapa cultural-turística de Roma –é semana de férias escolares na Itália, e o dia na capital foi de um clima primaveril em pleno inverno, com sol e 15°C.
Mesmo assim, o ambiente era sóbrio dentro da Basílica de São Pedro, onde, por três dias, até a noite de quarta (4), esteve exposto o corpo do papa emérito Bento 16, morto aos 95 anos. No total, cerca de 195 mil pessoas homenagearam o alemão, segundo o Vaticano. O funeral será celebrado nesta quinta (5), às 9h30 (5h30, no horário de Brasília), pelo papa Francisco.
Durante a tarde, o silêncio prevalecia mesmo com a multidão de fiéis e curiosos, tendo sido quebrado apenas pelas crianças pequenas, talvez entediadas pela longa fila formada para entrar na igreja. Os visitantes demoravam entre 40 e 60 minutos no percurso entre os postos de controle –ainda fora do Vaticano, nas ruas de Roma– e o corpo do religioso.
Era preciso passar por uma triagem visual de mochilas e bolsas, se desfazer de objetos como guarda-chuvas e garrafas com líquidos, e, mais adiante, se submeter a detectores de metal.
Dentro da basílica, a coisa andava rápido, já que agentes de segurança não permitiam que as pessoas se detivessem diante de Bento 16. Seu corpo, conservado com a técnica de tanatopraxia –a mesma usada em Pelé–, que retarda a decomposição natural, ficou bem acessível aos olhos do público. Mas, exceto autoridades, que tinham acesso a bancos, não era possível parar para se ajoelhar ou rezar. Uma mulher então segurou por toda a fila na igreja uma placa escrita à mão: “Benedetto XVI – santo subito!” ou “Bento 16 – santo já”.
“Ele foi um grande papa, à altura de João Paulo 2º. Estou certo de que será santo, um santo do nosso tempo”, disse à reportagem José Atílio Vargas, 23, na saída da basílica. Nascido na Nicarágua e residente em Roma, onde estuda para se tornar sacerdote, Vargas elogiou o legado de Joseph Ratzinger, especialmente em relação a estudos teológicos e a decisões de seu papado. “Ele deixou livre a celebração da missa tradicional, e lamento que o papa atual tenha tirado essa experiência.”
Em julho de 2021, Francisco restringiu a liberação da missa em latim –formato anterior ao Concílio Vaticano 2º (1962)– que havia sido decidida por Bento 16, com a justificativa de que a decisão estava alimentando divisões na igreja.
Os quase dez anos em que, de forma inusitada, houve dois papas vivos no Vaticano (um emérito, outro no cargo), favorecem as comparações entre os dois líderes –não só entre religiosos conservadores, mais identificados com Bento 16, e progressistas, próximos de Francisco; mesmo leigos ficam à vontade para apontar diferenças.
“A história de Bento 16 é mais confusa, ele teve um papado mais complexo. Francisco é mais amigável”, avalia a brasileira Dali Ribeiro Santos, 43, que mora em Portugal. De férias em Roma, enfrentou a fila para homenagear o papa emérito mesmo sendo “católica não praticante”, como se define. “É tudo grandioso demais. Tudo é história, meio surreal”, disse, com os olhos marejados.
“Francisco é mais aberto, mais próximo, talvez pelo fato de ser argentino. Para o brasileiro, tem uma identificação maior com o jeito como fala e traz ensinamentos”, diz Rafaela de Campos, 39, que vive na Inglaterra. Também de férias na Itália, ela se programou para visitar a basílica durante o velório ao lado da amiga Cleide Benedito, 58, que vive no Paraná.
“Foi uma grande emoção, um sentimento inesperado. Passamos bem pertinho do papa e rezei pela alma dele”, disse Cleide. As duas depois pararam, nos arredores do Vaticano, na barraca de um vendedor ambulante de lembrancinhas turísticas, entre as quais ímãs e terços com os rostos dos papas. “Ainda não decidimos de qual vamos levar”, contou Campos.
Ali perto, a italiana Alessandra Divanti também vendia caixinhas de terços com as imagens de Francisco e Bento 16, a EUR 5 cada uma. Apesar de comemorar o movimento nos últimos dias, impulsionado pela coincidência de férias, velório e tempo bom, lamentava ter refeito o estoque com peças do alemão. “Estão aí quase intactas”, contou, apontando a pilha de caixinhas ao centro da banca.
Nesta quinta, o funeral que será celebrado por Francisco pode reunir até 100 mil pessoas, segundo estimativas atualizadas. Entre as autoridades, são esperados os presidentes da Itália e da Alemanha, as únicas delegações oficialmente convidadas pelo Vaticano.
Outros líderes políticos e chefes de Estado devem participar por iniciativa própria. Segundo a embaixada brasileira junto ao Vaticano, o Brasil não terá representante oficial na cerimônia –embora seja esperado que algum diplomata compareça.
Primeiro papa a renunciar em quase seis séculos, Ratzinger terá um funeral com protocolos semelhantes aos de um papa que ficou no cargo até a morte. Algumas modificações foram preparadas, como as súplicas finais da diocese de Roma e das Igrejas Orientais, específicas para um pontífice reinante. Após a missa, o caixão será enterrado na cripta da basílica, onde esteve João Paulo 2º até sua beatificação.