Por Vinicius Sassine | Folhapress
Foto: Victor Moriyama / ISA
Mesmo com uma operação policial em curso há mais de um mês para retirada de invasores, a exploração sexual de adolescentes em garimpos na Terra Indígena Yanomami envolve várias meninas com menos de 18 anos de idade, cárcere privado, controle de alimentação, ameaças de morte e submissão a atividades sexuais reiteradas numa mesma noite.
O relato foi feito por uma adolescente de 15 anos resgatada pela PF (Polícia Federal) na noite de terça-feira (14), segundo o Conselho Tutelar em Boa Vista, que acompanhou a jovem no depoimento à polícia na madrugada de quarta (15).
Coube ao conselho buscar medidas protetivas e de apoio à adolescente, encontrada numa embarcação no rio Mucajaí, que cruza a terra indígena.
"São vários pontos de prostituição e várias adolescentes, que ficam em diferentes pontos", afirma o conselheiro tutelar Franco Rocha, com base no que foi dito pela jovem resgatada pela PF. Ele acompanhou o depoimento à polícia e está atuando na busca por medidas de apoio à adolescente.
Segundo o conselheiro, operadores do garimpo fizeram contato com a menina pelas redes sociais. Esses operadores seriam dois homens e uma mulher, conforme o relato da vítima.
A proposta inicial foi de um trabalho como cozinheira, com remuneração de R$ 5.800 por mês, valor que poderia ser pago em dinheiro ou em ouro. A adolescente ouviu dos agenciadores que poderia retornar à sua cidade em um mês.
O contato teria sido feito há cerca de um mês, ou seja, quando a Operação Libertação, que busca destruir a logística do garimpo e promover a retirada dos milhares de invasores, já havia sido deflagrada.
Agenciadores buscaram a adolescente numa caminhonete S10, conforme o relato descrito pelo Conselho Tutelar.
"Depois que ela estava no garimpo, foi avisada de que teria de participar dos cabarés, que seria explorada sexualmente", diz o conselheiro Rocha. "Ou ela aceitava ou ficaria jogada por ali. Houve até ameaças de morte."
A adolescente foi mantida em cárcere privado e teve negada a alimentação, afirma o conselheiro. "Quando estava menstruada, ela recebia menos alimentos."
Garimpeiros chegavam aos cabarés a partir das 16h, e o movimento era incessante, segundo o relato. Algumas jovens são submetidas a uma exploração que inclui até 16 relações sexuais numa mesma noite, conforme o conselheiro diz ter ouvido da vítima resgatada pela PF.
"O dinheiro foi prometido ao final de um mês. Não deram um centavo", afirma Rocha.
O resgate feito é um indicativo da continuidade da exploração ilegal de minérios mesmo após mais de um mês de operação para retirar invasores. Em 12 de fevereiro, seis dias após as primeiras ações para destruição da logística do garimpo, a mãe da jovem procurou a Polícia Civil de Roraima e registrou o desaparecimento da filha.
Na embarcação onde estava a adolescente, policiais encontraram mulheres levadas a áreas de garimpo para prostituição.
A PF deu início a uma investigação sobre a atuação de organização criminosa na cooptação de adolescentes e adultas para prostituição em áreas invadidas por garimpeiros.
OPERAÇÃO PODE DURAR ATÉ UM ANO
O depoimento da adolescente foi colhido na superintendência da PF em Boa Vista, onde fica o centro de comando da Operação Libertação, que envolve PF, Forças Armadas, Ibama, Força Nacional e Funai.
A previsão é que a ação de desintrusão pode levar de seis meses a um ano, dada a dimensão da invasão.
Em um mês de operação, segundo balanço divulgado pela PF, houve apreensão de 27 toneladas de cassiterita, explorada ilegalmente na terra indígena, assim como o ouro. Houve ainda apreensão ou destruição de 84 balsas e embarcações, 11,4 mil litros de combustível, duas aeronaves, 200 acampamentos e 172 motores e geradores de energia.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a fechar o espaço aéreo no território, o que intensificou a fuga de garimpeiros. Depois, houve flexibilização da medida, que durará até abril.
O garimpo ilegal de ouro e cassiterita foi aceito e estimulado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um defensor de mineração em terras indígenas.
O avanço de milhares de invasores, até áreas antes intocadas, já na proximidade da fronteira com a Venezuela, fez explodirem entre os yanomamis casos de malária e de doenças associadas à fome, como desnutrição grave, diarreia aguda, pneumonia e infecções respiratórias.
A atual gestão declarou estado de emergência em saúde pública na terra yanomami em 20 de janeiro.
O atendimento médico foi reforçado em unidades de saúde nas regiões de Surucucu e Auaris. Mas, até agora, não há data para o funcionamento de um hospital de campanha em Surucucu, o que reduziria a transferência de indígenas em aviões para hospitais em Boa Vista.