Governo Lula quer descontar da meta fiscal até R$ 5 bi do novo PAC


Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs ao Congresso Nacional uma mudança legal para poder descontar da meta fiscal até R$ 5 bilhões em despesas de estatais federais do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A sugestão foi encaminhada por meio de uma mensagem modificativa -isto é, uma alteração feita pelo próprio governo na proposta original- ao PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024.
O texto diz que o valor pode ser abatido da meta de déficit primário relativa ao Programa de Dispêndios Globais, que reúne empresas estatais não dependentes controladas diretamente pela União.
Na prática, a medida ajuda o ministro Fernando Haddad (Fazenda) a cumprir mais facilmente ao objetivo de zerar o déficit primário no ano que vem. A meta das estatais é de déficit de até R$ 7,3 bilhões.
Com a mudança, a despesa do PAC, que no cenário atual contribuiria para piorar o resultado das contas das estatais, fica de fora dessa balança, até o limite de R$ 5 bilhões. O projeto original já excluía do cálculo as despesas de empresas do Grupo Petrobras e da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).
O governo justificou a mudança na contabilidade da meta das estatais "tendo em vista a flexibilidade na execução desses investimentos e sua importância para o desenvolvimento econômico e social do País".
O novo PAC deve ser lançado por Lula na próxima sexta-feira (11). A previsão do governo é que o programa reúna R$ 60 bilhões em investimentos por ano.
A mensagem modificativa com as alterações é assinada pelo presidente Lula e pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e foi enviada na noite desta segunda-feira (7) ao Legislativo. Seu conteúdo deve ser analisado pelo relator, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).
A LDO é o documento que norteia a elaboração da proposta de Orçamento. A peça para 2024 será enviada até 31 de agosto.
Para cumprir a meta de zerar o déficit, o governo calcula precisar lançar mão de medidas para elevar a arrecadação em cerca de R$ 130 bilhões no ano que vem. Economistas e membros do Congresso têm apontado as dificuldades para aprovar todo esse pacote.
O expediente de descontar despesas das metas de resultado primário já foi utilizado em gestões anteriores do PT, sob fortes críticas de especialistas, que viam no instrumento uma espécie de "contabilidade criativa" para alcançar resultados positivos nas contas.
Ainda no segundo mandato de Lula, a LDO de 2008 previa uma meta de superávit primário de 3,8% do PIB (Produto Interno Bruto) para o setor público consolidado (que inclui também estados e municípios), mas com possibilidade de abater da meta até R$ 13,825 bilhões (em valores históricos) do então Projeto Piloto de Investimentos Públicos -embrião do PAC.
Nos anos seguintes, o valor de desconto foi ampliado. Na LDO de 2009, o governo tinha autorização para descontar até R$ 28,5 bilhões do programa de investimentos, já batizado de PAC na ocasião.
No governo Dilma Rousseff (PT), o expediente foi mantido seguindo a mesma lógica, até que uma mudança na LDO de 2014 aboliu o valor limite, passando a permitir o abatimento de todas as despesas do PAC da meta fiscal.
Técnicos que acompanham de perto as contas públicas viram a mudança proposta pelo governo atual com espanto, uma vez que a chamada "contabilidade criativa" que ajudou a dilapidar a credibilidade fiscal do governo Dilma começou com manobras que desmoralizaram a meta de resultado primário.
Com base nesse histórico, o relator do novo arcabouço fiscal na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), incluiu um dispositivo que proíbe a LDO de excluir "quaisquer despesas primárias da apuração da meta de resultado primário dos orçamentos fiscal e da seguridade social". No Senado, o trecho passou a impedir descontos na meta do governo central (que inclui Tesouro Nacional, INSS e Banco Central). O texto não cita, porém, a meta das estatais federais —foco da mudança proposta pelo governo.
O economista Marcos Mendes, ex-chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda, ressalta que a LDO já costuma ter um "vaso comunicante" que permite a compensação entre as metas do orçamento fiscal e da seguridade social (que reúne os gastos do governo) e o resultado das estatais.
"Se eles [o governo] estão com medo de não conseguir fazer o resultado do orçamento fiscal e da seguridade social, eles abrem um espaço maior no orçamento das estatais e aí compensam. Posso estar enganado, pode ter alguma necessidade técnica. Mas parece que abriram espaço para fazer R$ 5 bilhões a mais de déficit", avalia.
Mendes critica o que ele vê como falta de disposição do governo de controlar a despesa e centrar esforços na elevação da arrecadação para zerar o déficit. "Uma vez que se começa a vislumbrar dificuldade para cumprir a meta que ele próprio estipulou, aí começam a surgir mecanismos criativos, e esse parece ser tipicamente um", afirma.
O novo PAC deve ser lançado na próxima sexta, mas o governo Lula já começou, na manhã desta terça-feira (8), a apresentar suas diretrizes para a cúpula do Congresso Nacional e as principais lideranças parlamentares. Interlocutores afirmam que um dos objetivos é privilegiar o Legislativo, ao mesmo tempo em que se busca acertar a votação do novo arcabouço fiscal ainda nesta semana.
Pela manhã, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) participaram de um café da manhã com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Também estavam no encontro a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Na sequência, eles foram à Residência Oficial da Câmara para se encontrar com o presidente Arthur Lira (PP-AL). Também estão previstas reuniões no Planalto, na parte da tarde, com líderes da Câmara e do Senado.

SAÍDA PARA EVITAR CORTE EM INVESTIMENTOS

O governo também incluiu na mensagem modificativa um artigo que busca evitar um corte nas despesas do PAC no momento do envio da proposta de Orçamento, em 31 de agosto.
O dispositivo autoriza o Ministério do Planejamento e Orçamento a incluir na peça orçamentária despesas condicionadas à aprovação de um crédito suplementar no ano que vem, em valor equivalente ao efeito da inflação maior esperada até o fim deste ano. Estimativas apontam que o valor envolvido está entre R$ 32 bilhões e R$ 34 bilhões.
O impasse existe porque a proposta original do arcabouço fiscal previa atualizar o limite de gastos pela inflação de janeiro a junho do ano anterior, mais a variação estimada entre julho a dezembro do mesmo ano. Essa regra balizou os parâmetros do PLDO de 2024, enviado em abril.
Durante a votação na Câmara, os deputados preferiram tirar o componente de projeção para evitar que uma inflação superestimada fosse usada para turbinar os gastos do governo. A versão atual do texto diz que o limite de despesas será corrigido pela inflação em 12 meses até junho do ano anterior.
Para 2024, isso significa uma ampliação de 3,16%, sem contar com o mecanismo de expansão real das despesas, vinculado à dinâmica da arrecadação. O percentual é menor do que a inflação projetada para o ano todo (4,85%, nas estimativas do governo), o que indica um espaço fiscal mais apertado.
Em um aceno ao governo, o Congresso concordou em permitir a incorporação da folga adicional, mas na forma de créditos suplementares quando o Orçamento já estivesse em execução. O problema, na visão de técnicos do governo, é que o Executivo precisaria enviar a peça orçamentária com um corte nos gastos para só depois efetivar a recomposição.
O impasse despertou o temor de se repetir a repercussão negativa experimentada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) no envio do projeto de Orçamento de 2023, cheio de cortes espalhados por diversos programas sociais.
A ministra Simone Tebet chegou a articular a inclusão de um dispositivo no projeto de lei do arcabouço para permitir o envio do Orçamento com despesas condicionadas à aprovação do crédito. No entanto, como o texto ainda não recebeu o aval final da Câmara dos Deputados, o governo avaliou que precisava de uma espécie de plano B.
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