Quase um ano depois do fim do processo eleitoral, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não fornece dados gerais sobre como se deu a aplicação da resolução que, a dez dias do segundo turno, ampliou os poderes da corte para remover e bloquear conteúdo online.
O tribunal negou um pedido de acesso à informação que requisitava dados gerais sobre o uso da resolução, como total de posts, vídeos, perfis, contas e grupos bloqueados ou removidos. Não foram solicitadas informações específicas de processos, tampouco sobre seus conteúdos.
Via Ouvidoria, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação respondeu que: “Por determinação judicial, os procedimentos em questão permanecem, até o momento, sob segredo de Justiça, aplicando-se, no particular, o disposto no art. 22 da lei 12.527/2011”.
A LAI (Lei de Acesso à Informação) prevê em seu artigo 22 que ela “não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de Justiça”. Cabe recurso da resposta.
Há alguns processos de remoções embasados na resolução disponíveis na consulta pública do tribunal. Apesar disso, o TSE não forneceu nem sequer o quantitativo parcial.
Em 2022, em meio a uma campanha de fake news contra as urnas eletrônicas, o TSE aprovou uma resolução que permitiu que o próprio tribunal agisse sobre conteúdos inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral —o que em geral demandaria pedido de terceiro, como de um candidato ou do Ministério Público Eleitoral.
Previa também a possibilidade de suspensão temporária de perfis, contas e canais em caso de publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas —tema até então não abordado nas regras eleitorais.
Dava ainda permissão para que conteúdos idênticos sobre os quais já houvesse decisão do tribunal fossem removidos por ordem da presidência do TSE, o que antes demandaria novas ações.
Apesar dessa ampliação de poder, não se tem até o momento conhecimento sobre o quadro geral de aplicação da resolução. Não se sabe também se todas as contas e perfis suspensos pelo TSE foram reativados.
No caso da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), por exemplo, houve ordem de retirada de sigilo no início de dezembro, cerca de um mês depois de todos seus perfis serem suspensos.
Na ocasião, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, determinou: “a remoção do sigilo do processo, o que oportuniza, portanto, o acesso dos autos à requerente que deve ainda, ser incluída como parte nos autos”.
Não constam outros argumentos sobre a razão de o sigilo não ser mais necessário, tampouco sobre o que o justificava até ali. Zambelli recuperou as redes em fevereiro.
Além do processo da deputada, há outros embasados na resolução que estão públicos.
Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, diz que, apesar de a negativa baseada em segredo de Justiça ser lícita, há um mau uso do poder de negar informações, destacando ainda que os dados solicitados eram apenas quantitativos.
Glezer afirma que, apesar do contexto em que o tribunal aprovou a resolução, de tentativa de golpe e de inação do Ministério Público, ele exerceu um poder heterodoxo. “Para isso ele dobra também a sua responsabilidade de permitir que existam controles sobre essa atuação excepcional.”
Ana Cláudia Santano, professora de direito eleitoral e coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil, diz que, de modo geral, é muito importante tomar conhecimento sobre as decisões, mas, diante do segredo de Justiça, é justificável a negativa aos dados solicitados.
Ivar Hartmann, professor do Insper e doutor em direito público, não vê justificativa para o não fornecimento dos dados gerais. Além disso, defende a importância de haver mais transparência sobre o uso da resolução por ela ter sido um ponto fora da curva.
“Em uma situação delicada, num cenário de um uso de poder excepcional por parte do TSE como órgão judicial, a publicidade sobre como esse poder tem sido usado deve ser ampliada e não reduzida.”
Como mostrou a Folha, um ponto em aberto é o que será feito da resolução para as próximas eleições.
Artur Pericles, que é doutor em direito pela USP e professor na Universidade de Yale, aponta que é difícil imaginar qual a justificativa para que essas ações ainda hoje estejam sob sigilo.
“As eleições já passaram, pessoas já tiveram sanções impostas, alguns bloqueios já foram levantados e a gente não tem o acesso que a Constituição garante a essas decisões.”
Pericles é autor do relatório da Freedom House de 2023 sobre o cenário de liberdade na internet no Brasil e diz que enfrentou dificuldades na obtenção de dados. Com decisões de bloqueio sigilosas que partiram tanto do STF (Supremo Tribunal Federal) quanto do TSE, em meio a eclosão de movimentos de teor golpista e teorias da conspiração contras as urnas, há episódios em que não se tem clareza nem sequer sobre de qual tribunal partiu a ordem.
A negativa do TSE ao pedido de informação foi enviada mais de três meses após o registro da solicitação pela Folha —no final de julho. O prazo na LAI é de 20 dias, prorrogáveis por mais 10.
Dois protocolos foram registrados ao longo de outubro apontando a falta de retorno. No dia 23, a Ouvidoria do tribunal informou que a solicitação encontrava-se “em atendimento na presidência do TSE” e que “a unidade de destino da demanda foi comunicada acerca da necessária observância do prazo de resposta”.
Apesar disso, o pedido seguiu sem resposta, que foi enviada apenas depois de a reportagem acionar a assessoria de imprensa do TSE pedindo um posicionamento sobre o descumprimento do prazo.
Em nota, a corte informou que a demanda “realmente ficou sem resposta em razão de uma mudança no sistema”.
Renata Galf/Folhapress