Por Nicola Pamplona | Folhapress
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Após anos de retração, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) fecha o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com participação mais ativa no mercado de crédito brasileiro.
O balanço do ano ainda não foi divulgado, mas o presidente do banco, Aloizio Mercadante, já adiantou que o volume de aprovações de novos financiamentos cresceu 94% nos primeiros onze meses e que os desembolsos para infraestrutura também fecharão 2023 em alta.
Para especialistas e representantes da indústria, o crescimento reflete tanto a evolução de concessões de infraestrutura realizadas no governo Jair Bolsonaro (PL) quanto o lançamento de novas linhas de crédito para a indústria.
Os últimos dados disponíveis apontam um crescimento de 29% nos desembolsos do BNDES entre janeiro e setembro, somando R$ 75,4 bilhões. É o maior valor desde os R$ 70 bilhões dos primeiros nove meses de 2017, em valores corrigidos pela inflação.
O volume de recursos liberado para a indústria saltou 34% em 2023, para R$ 16,7 bilhões, o maior valor desde 2016. Para infraestrutura, o banco liberou R$ 28,2 bilhões, alta de 7%.
No sábado (24), Mercadante afirmou à coluna Painel SA que o banco baterá recorde "em valores nominais" de desembolsos para infraestrutura em 2023, com R$ 23,9 bilhões. A conta, porém, desconsidera projetos de energia, historicamente incluídos entre os aportes em infraestrutura do banco.
Considerando energia, o valor total desembolsado a infraestrutura ainda fica bem abaixo dos anos de maior participação do banco nos investimentos do país, ao fim do governo Dilma Rousseff, quando grandes projetos hidrelétricos ainda estavam em construção.
O BNDES disse que a área de infraestrutura "atua hoje nos subsetores de logística, transportes, saneamento e mobilidade" e que o setor de energia está hoje sob gestão da área de Transição Energética e Clima, mas os dados históricos do site ainda não foram alterados.
"O banco está colhendo uma parte do investimento em projetos que foi feito no passado", diz o economista Claudio Fritschak, da consultoria Inter B. "O caso mais conhecido é saneamento, mas não é o único", completa, citando rodovias e aeroportos como outros setores.
De fato, entre as maiores operações de financiamento registradas em 2023 estão investimentos em dois blocos de aeroportos concedidos pelo governo Jair Bolsonaro (PL), em companhias de saneamento concedidas por estados e em rodovias e ferrovias.
Setores concedidos à iniciativa privada representaram dois terços dos desembolsos do BNDES para a área de infraestrutura nos primeiros nove meses de 2023. Energia representou menos de 30%.
Os dados de aprovações de novos financiamentos indicam que o perfil deve se manter, ao menos no curto prazo. Até setembro de 2023, energia respondeu por apenas 6,6% do valor aprovado para infraestrutura. Transportes e serviços públicos ficaram com pouco mais da metade.
Mercadante disse à Folha que obras do Novo PAC já impactam a corrida por financiamento do banco. A lista de grandes projetos, porém, indica que o crescimento na demanda vem de leilões realizados durante o governo Bolsonaro —embora boa parte deles tenha sido incluída no programa do governo Lula.
O crescimento de desembolsos para a indústria mostra "criatividade" da nova gestão do banco para oferecer taxas mais baixas, diz o presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), José Velloso.
Ele cita como exemplo o lançamento de uma linha de crédito atrelada ao dólar para empresas com recebíveis na moeda norte-americana, e de outra linha para investimentos em inovação e sustentabilidade com juros mais baixos do que a TLP (Taxa de Longo Prazo).
"O que a gente percebe é uma melhor vontade e que o BNDES lançou linhas mais realistas em termos de custo e volatilidade", afirma, ressaltando, porém, que o custo do financiamento pela TLP segue motivo de preocupação da indústria.
Opositora das gestões anteriores, a associação dos funcionários do banco questiona ainda a falta de sinais da gestão Lula sobre mudanças na TLP ou sobre o modelo de concessões de serviços públicos, alvo de críticas também de sindicatos e aliados do governo.
O presidente da entidade, Arthur Koblitz, reclama ainda que o governo demora para mexer nas regras do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para eliminar o uso dos recursos do fundo —hoje uma das principais fontes de financiamento doméstico para o BNDES— para cobrir o déficit da Previdência.
"Questões como o FAT e rever TLP talvez sejam relevantes até para atingir a meta de desembolsar o equivalente a 2% do PIB", diz Koblitz, citando projeções anunciadas por Mercadante na divulgação do balanço do terceiro trimestre.
O BNDES espera fechar o ano com desembolsos equivalentes a 1,1% do PIB, alta de 1% em relação ao estimado pelo próprio banco em 2020.
Mercadante vem contando com o apoio de Lula para destravar recursos. O Ministério da Fazenda já havia concordado em reduzir ao mínimo legal de 25% o pagamento de dividendos sobre o lucro do banco, garantindo que parte do ganho retorne sob a forma de financiamento.
Em evento no Rio de Janeiro no início do mês, Lula disse que o país precisa de dinheiro para investir. "Se o BNDES não tem dinheiro, a gente vai ter que ir conversar com o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad", afirmou. "Temos uma missão de fazer esse país voltar a crescer e, para crescer, o BNDES é uma peça importante."
O BNDES obteve também uma vitória no TCU (Tribunal de Contas da União), que autorizou o banco a rever o cronograma de devolução de repasses irregulares feitos pelo Tesouro Nacional em gestões anteriores do PT.
Com aval do Ministério da Fazenda, a instituição propôs o parcelamento de R$ 22,6 bilhões remanescentes em oito prestações de R$ 2,9 bilhões anuais, a serem pagas entre 2023 e 2030.
Frischtak diz não ver o BNDES hoje com mudanças dramáticas que sinalizam um retorno ao período Dilma Rousseff, quando consumiu elevados recursos do Tesouro em subsídios ao crédito. Mas uma questão em aberto, afirma, é a busca por novas fontes de financiamento.
"O risco é se, nesse processo, o BNDES estaria competindo em bases desiguais com o setor privado", afirma, o que poderia levar a um processo conhecido como "crowding out", quando a expansão do gasto público gera aumento dos juros e freia o investimento privado.