Prévia da arrecadação de janeiro indica alta de 6%, mas analistas defendem cautela

O desempenho das receitas no primeiro mês do ano ganhou atenção dos analistas após revelação de que o resultado estava acima do esperado

Imagem ilustrativa criada a partir de inteligência artificial.

ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Prévia da arrecadação do governo em janeiro indica um crescimento real (acima da inflação) em torno de 6%, com a entrada de R$ 280 bilhões nos cofres federais, de acordo com dados do portal Siga Brasil.
O desempenho das receitas no primeiro mês do ano ganhou atenção dos analistas econômicos após o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, revelar em entrevista à Folha de S.Paulo que o resultado estava acima do esperado e que o bloqueio de despesas poderia ser zero na primeira avaliação do Orçamento deste ano.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também afirmou depois que o resultado tinha surpreendido positivamente a sua equipe.
Apesar da surpresa positiva com a arrecadação, analistas recomendam cautela à equipe econômica de Haddad e avaliam que o resultado está longe de afastar a necessidade de bloqueio das despesas.

Técnicos do governo ouvidos pela reportagem consideram que, além do ingresso extraordinário de recursos com a mudança na tributação dos fundos dos super-ricos, há um componente estrutural no desempenho das receitas.

O diagnóstico do que tem ocorrido com a arrecadação do governo ainda está em estudo pelos técnicos.

O fator que pode indicar uma dificuldade maior para a necessidade de bloqueio das despesas na primeira avaliação do Orçamento, no final de março, é o limite de gastos previsto no novo arcabouço fiscal, de acordo com os técnicos a par do assunto no governo.
Dados do Siga Brasil analisados pelo economista da área fiscal da XP Investimentos Tiago Sbardelotto apontam que a arrecadação de R$ 280,3 bilhões de janeiro ficou R$ 10 bilhões acima do previsto no Orçamento de 2024, aprovado pelo Congresso no final de dezembro.
O Siga Brasil é um sistema de informações sobre Orçamento federal, mantido pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle (Conorf) e pelo Prodasen (área de tecnologia) do Senado, que facilita o acesso ao Siaf (Sistema Integrado de Administração Financeira) do governo.

O Siga reúne em um só lugar todas as informações orçamentárias dos Poderes Executivo e Legislativo.

A principal surpresa positiva da arrecadação é a entrada em janeiro de recursos com a tributação dos fundos exclusivos de investimento no Brasil dos super-ricos. “É animador e bem significativo o crescimento real de 6% da arrecadação”, disse Sbardelotto.
Segundo ele, a arrecadação do Imposto de Renda sobre rendimento de capital registrou uma alta de 25%. É esse item que reflete o ingresso de receitas extraordinárias com a mudança na tributação dos fundos exclusivos.
Chamou também a atenção do analista da XP o bom desempenho da arrecadação do IR sobre o rendimento do trabalho e da contribuição previdenciária, o que pode indicar um comportamento mais forte do mercado de trabalho. A arrecadação para a Previdência teve um crescimento real de 6,5%.
Segundo o analista da XP, a prévia da arrecadação observada pelos dados do Siga Brasil tem mostrado sempre um resultado próximo do divulgado depois pela Receita Federal, com diferença apenas “na casa dos milhões”.
Sbardelotto identificou também um comportamento favorável da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) que pode ou não estar associado a um movimento sazonal de antecipação do pagamento do ajuste anual que as empresas têm de fazer até março.
Para ele, é cedo ainda para avaliar se os bons resultados vão continuar nos próximos meses para sustentar um contingenciamento menor de despesas ou até mesmo zero, como sinalizou o secretário do Tesouro.
O analista da XP destaca que a arrecadação do PIS/Cofins está menor do que o governo esperava. “Precisamos de mais algumas leituras até ter de fato a confirmação que esse nível da arrecadação [total] vai se manter”, afirma.
O economista do Santander Italo Franca projeta um crescimento de cerca de 6,5% da arrecadação em janeiro, após um resultado fraco do terceiro trimestre de 2023, que tinha surpreendido negativamente o mercado financeiro.
No ano passado, a arrecadação federal fechou com queda de 0,1%, mesmo com o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil tendo crescido próximo de 3%.
Segundo Franca, a se confirmar a arrecadação de R$ 280 bilhões, será o melhor resultado de janeiro da história. Com esse cenário, a arrecadação em 12 meses passaria de uma queda de 0,1% a um patamar positivo próximo de 0,5%.
O analista fiscal do Santander considera que o resultado de janeiro foi favorecido também pelo pagamento do IR retido na fonte de parte dos R$ 93 bilhões de precatórios atrasados pagos pelo governo no final do ano passado, após acordo com o STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele calcula um ingresso de R$ 10 bilhões em janeiro e fevereiro com o imposto cobrado dos precatórios.
Franca ressalta que a arrecadação maior esperada com a mudança na tributação dos recursos mantidos em paraísos fiscais (offshores) ainda depende de a Receita Federal completar a regulamentação.
“Tem bastantes fundos ainda esperando como vai ser essa regulamentação final por parte da Receita. A tributação de offshores ainda não teve um impacto muito relevante. Foi mais fundo exclusivo”, afirma Franca.
Na sua avaliação, apesar da melhor tendência das receitas no curto prazo, que alivia a pressão para o governo, ainda é preciso ter cautela antes do balanço entre o impacto das medidas arrecadatórias do ministro Haddad e dos efeitos cíclicos da arrecadação que podem levar a resultados menores, como o preço de petróleo (que está em valor mais baixo atualmente) e a desaceleração da atividade econômica prevista para este ano.
“O primeiro trimestre está com uma cara mais positiva. Traz um pouco de alívio para a primeira avaliação bimestral do Orçamento. Mas tem de ter um pouco de cautela”, afirma. “As medidas podem ter um efeito mais concentrado no curto prazo.”
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