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Um grupo de cientistas brasileiros estima que, até o ano de 2050, de 10% a 47% da floresta amazônica estarão expostos a ameaças graves e poderão sofrer uma transição de ecossistema, com perda de resiliência da floresta e conversão a outras formas do bioma, incapazes de cumprir o papel de sumidouro de carbono desempenhado pela amazônia.
É o chamado ponto de não retorno, quando a floresta já não encontra formas de retroalimentação e colapsa, total ou parcialmente, convertendo-se em outras formas de existência biológica.
O ponto de não retorno da amazônia é um dos principais focos de atenção na discussão científica sobre mudanças climáticas, em razão dos impactos para o clima, que extrapolam os limites do bioma, para a emissão de CO2 e para o modo de vida dentro e fora da região amazônica.
Estimativas levadas em conta em outros estudos apontam a possibilidade de não retorno com um desmatamento de 20% a 25% da floresta. A perda de vegetação está, hoje, em uma faixa de 14% a 20%, dependendo do critério utilizado e da área analisada.
O governo Lula (PT) prometeu zerar o desmatamento da amazônia até 2030, uma meta que compõe o compromisso brasileiro com o Acordo de Paris. O acordo, definido em 2015 no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas), busca limitar o aquecimento global, com perspectiva de que o aumento da temperatura não ultrapasse 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.
Nos últimos cinco anos, a amazônia perdeu 54,6 mil km2 em território brasileiro, segundo dados oficiais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O ritmo de aumento da devastação foi interrompido no primeiro ano do governo Lula.
O novo estudo conduzido pelos pesquisadores brasileiros afirma que a amazônia está cada vez mais exposta a pressões, com aumento de temperaturas, secas extremas, desmatamento e fogo, mesmo nas áreas mais centrais ou nas mais remotas. O colapso do bioma pode ser local, regional ou mesmo total, o que agravaria as mudanças climáticas, cita o estudo.
É preciso interromper o desmatamento e a degradação e expandir iniciativas de reflorestamento, afirmam os pesquisadores.
O artigo científico foi publicado nesta quarta-feira (14) na revista Nature. O estudo é liderado pelos pesquisadores Marina Hirota e Bernardo Flores, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), e tem participação de cientistas do Brasil (como Carlos Nobre, José Marengo e Erika Berenguer), Estados Unidos e Europa. A pesquisa teve financiamento do Instituto Serrapilheira.
Temperaturas mais altas, secas extremas, desmatamento e fogo enfraquecem mecanismos que garantem a resiliência da floresta, com influência direta no ciclo de chuvas. Isso aproxima o bioma da "transição crítica", do ponto de não retorno.
Entre os limites críticos citados pelos pesquisadores, estão um aumento de temperatura acima de 1,5°C e desmatamento acumulado de 20% da cobertura florestal.
"Estamos nos aproximando de todos os limiares. No ritmo em que estamos, todos serão alcançados neste século. E a interação entre todos eles pode fazer com que aconteça antes do esperado", diz Bernardo Flores.
"Se quisermos evitar uma transição sistêmica, precisamos adotar uma abordagem preventiva que mantenha as florestas resilientes nas próximas décadas", afirma Marina Hirota.
Em 2023, a amazônia brasileira viveu uma seca histórica, com recordes de baixas dos rios, incêndios e alteração radical do modo de vida das pessoas que vivem na região, especialmente em comunidades tradicionais.
A seca extrema durou mais do que estiagens anteriores, as chuvas foram bem mais escassas (na seca e na cheia) e rios secaram de uma forma drástica, deixando comunidades inteiras sem água potável, sem comida e sem meio de locomoção. Municípios como Manaus, a cidade mais populosa da Amazônia, com 2 milhões de pessoas, foram inundados por ondas de fumaça, por meses a fio.
O extremo climático na amazônia foi uma combinação dos efeitos do El Niño, do aquecimento do Atlântico Tropical Norte, das mudanças climáticas e da degradação da floresta. O que ocorreu em 2023 vai impactar 2024.
O bioma está em nove países, uma região com 40 milhões de pessoas, das quais 2,2 milhões são indígenas de 300 etnias, aponta o estudo. A perda de floresta impacta diretamente a vida nessas comunidades, dizem os pesquisadores.
Os modelos usados para a pesquisa projetam, até 2050, um aumento significativo de dias secos (de 10 a 30 dias) e da temperatura (de 2°C a 4°C). Assim, pode haver um déficit de vapor e uma crise hídrica decorrente disso.
Há sinais de fragilidade em florestas tidas como de pé. Monitoramentos de campo, feitos a longo prazo, indicam um aumento d mortalidade de árvores em locais diversos, uma consequência da degradação da floresta.
Isso reduz o armazenamento de carbono e leva a uma substituição por espécies mais afeitas à seca, cita o artigo científico. Porções da amazônia já emitem mais carbono que absorvem.
Dez por cento da floresta amazônica têm potencial alto de transição, inclusive para uma feição de baixa cobertura de árvores, uma savanização do bioma. Outra composição florestal alternativa pode ocorrer na amazônia mais central, ao longo de rodovias como a BR-319 e a Transamazônica, aponta a pesquisa.
O maior potencial de transição estaria associado a fronteiras de desmatamento, que se dão em lugares com projetos de grandes rodovias. Áreas mais remotas e maiores, associadas a unidades de conservação e terras indígenas, têm baixo potencial de transição, segundo os pesquisadores.