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São Paulo, 16 – Advogados criminalistas avaliam que é prova lícita o áudio da reunião entre Jair Bolsonaro e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), delegado Alexandre Ramagem, em que se discutiu como livrar o senador Flávio Bolsonaro – filho mais velho do ex-presidente – do inquérito das ‘rachadinhas’. Mas entendem que, uma vez deflagrada eventual investigação criminal, é ‘remoto’ um eventual decreto de prisão cautelar do ex-presidente, ‘tendo em vista que cuidam-se de fatos pretéritos, sem que se observe risco à persecução penal’.
Penalistas disseram ao Estadão que a gravação, por si só, é insuficiente para concluir pela existência de crime ou mesmo para autorizar qualquer medida cautelar.
“O áudio deve servir como ponto de partida para a instauração de inquérito policial e aprofundamento das investigações”, observa o criminalista Fernando Hideo, professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito.
Para Hideo, eventuais investigações da Polícia Federal, que anexou o áudio e sua transcrição nos autos da Operação Última Milha – apuração sobre a Abin paralela durante o governo Bolsonaro – ‘devem seguir buscando desvendar se houve acesso indevido aos sistemas mencionados na reunião, se houve reuniões ou encontros com as autoridades apontadas pelos interlocutores, dentre outras diligências’.
Na reunião, ocorrida em agosto de 2020, o tema central foi o plano para livrar Flávio Bolsonaro do inquérito sobre o esquema de ‘rachadinhas’ que teria sido instalado em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio – na época, ele exercia mandato de deputado estadual.
Hideo destaca a necessidade de a PF apurar se o plano compartilhado na reunião foi efetivamente executado, ‘o que poderá resultar na imputação de crimes aos envolvidos’.
“A gravação da reunião indica a existência de um plano para instrumentalizar a atuação de órgãos oficiais em benefício de Flávio Bolsonaro”, anota.
Fernando Hideo elenca os crimes a que Bolsonaro, Ramagem e também o general Augusto Heleno – ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional que também participou do encontro – podem ser enquadrados, em tese: corrupção, peculato, associação criminosa, advocacia administrativa e/ou tráfico de influência.
“Caso esse plano tenha sido colocado em prática, as pessoas envolvidas poderão responder por esses crimes”, diz o advogado. “Por si só, o áudio é insuficiente para concluir pela existência de crime ou mesmo para fundamentar qualquer medida cautelar”, reitera Hideo. “Em todo caso, conforme entendimento do STF, o áudio gravado por um dos interlocutores é prova lícita e, portanto, deve servir como ponto de partida para a instauração de inquérito policial,”
O advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni vê peculato, prevaricação e advocacia administrativa. “O suposto plano para interferir ou anular investigações da Polícia Federal no caso das rachadinhas havida na reunião gravada, realizada durante o horário de expediente, utilizando recursos públicos para o patrocínio de solução de questões de interesse privado de Flávio Bolsonaro, em tese, pode configurar esses delitos.”
Ele destaca que a pena prevista para o crime de peculato é de reclusão de dois anos a doze. Advocacia administrativa: pena de detenção, de um mês a três. Para prevaricação a punição é de três meses a um ano – ‘ao deixar de denunciar o ex-governador Wilson Witzel para satisfazer interesse ou sentimento pessoal’.
“Contudo, uma vez deflagrada eventual investigação criminal, mostra-se remoto o eventual decreto de prisão cautelar do ex-presidente, tendo em vista que cuidam-se de fatos pretéritos, sem que se observe risco à persecução penal”, acentua Adib Abdouni.
Estadão Conteúdo