Por Folhapress
Foto: Marcelo Camargo / EBC
O presidente do Chile, Gabriel Boric, subiu o tom contra o regime de Nicolás Maduro na Venezuela na quarta-feira (7) —um dia depois da saída de Santiago do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que minimizou a crise eleitoral em Caracas ao afirmar que não havia "nada de anormal" no pleito, altamente contestado.
A jornalistas, Boric afirmou não reconhecer a reeleição do ditador, confirmada pelo órgão eleitoral do país na semana passada. E disse não ter dúvidas de que a demora de Caracas para levar a público as atas das eleições presidenciais do último dia 28 tem como objetivo fraudar o pleito.
"Do contrário, teriam divulgado as famosas atas. Por que não as divulgaram? Se tivessem vencido, certamente teriam feito isso", declarou o líder em frente ao Palácio de La Moneda.
"Quero ser claro: o Chile não reconhece a vitória autoproclamada de Maduro. Não confiamos, além disso, na independência e na imparcialidade das instituições eleitorais da Venezuela. O que defendemos como país é que não validaremos resultados que não tenham sido verificados por órgãos internacionais independentes do regime", completou.
A publicação das atas eleitorais, que permitem cruzar o total de votos computados e a quantidade de votos que cada candidato recebeu em uma determinada mesa, é parte do rito eleitoral venezuelano. Maduro a princípio creditou a demora para divulgá-las a um suposto ataque hacker ao sistema do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), controlado pelo chavismo.
Quando a contagem de votos enfim chegou ao fim, no entanto, o órgão eleitoral não divulgou as atas. No início desta semana, ele afirmou que entregou os documentos ao TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) para certificação —mas, assim como o CNE, também o TSJ é alinhado ao regime.
Em paralelo a isso, a oposição disponibilizou na internet o que afirma ser 80% do total de atas das eleições, segundo ela coletadas por observadores no dia da eleição. Estas mostram a vitória do candidato opositor, o ex-diplomata Edmundo González, com 67% dos votos contra 30% de Maduro.
Tanto a contagem de votos feita pela coalizão opositora quanto a veracidade das atas divulgadas foram confirmadas por organizações independentes.
As declarações de Boric desta quarta são ainda mais assertivas do que aquelas que ele havia feito logo após a divulgação inicial do resultado do pleito pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral) venezuelano, horas depois do fechamento das urnas, na madrugada do dia 29. Então, ele disse que o regime deveria entender que as porcentagens que ele apontava eram "difíceis de acreditar".
Chama a atenção a data que o chileno escolheu para fazer as declarações, dia seguinte ao fim da visita de Lula a Santiago. Os dois líderes têm adotado posturas distintas em relação à crise venezuelana, e não chegaram a debater o tema em profundidade enquanto o brasileiro estava no país andino.
Boric inclusive se absteve de comentar o tema no período. Já Lula só fez menção direta a ele uma vez em seu discurso oficial, quando disse ter falado com seu homólogo sobre a tentativa de Brasil, Colômbia e México de estabelecer uma solução diplomática para a disputa em Caracas.
Um outro comentário do petista, este sobre as diferenças entre ele e o presidente chileno —também de esquerda— serem extraordinárias, também foi entendido como uma alusão à situação da Venezuela.
As acusações que Boric fez contra Maduro nesta quarta não significam que ele tenha abandonado de todo a cautela. Apesar de negar a legitimidade da reeleição do ditador, ele não reconheceu a vitória de González, candidato da oposição, o que ao menos cinco países da América Latina fizeram, além dos Estados Unidos.
Pelo contrário, Boric defendeu que a comunidade internacional deveria aprender com o passado e "não cometer o mesmo erro que fez com [Juan] Guaidó".
Ele se referia ao que ocorreu depois das penúltimas eleições presidenciais na Venezuela, em 2018. Também aquele pleito havia sido marcado por denúncias de que a reeleição de Maduro era fraudulenta. Dias depois de ele tomar posse, no entanto, o oposicionista Guaidó, à época líder da Assembleia Nacional venezuelana, usou uma brecha na Constituição para se autoproclamar presidente interino do país, sendo rapidamente reconhecido por diversos Estados.
Isso fez com que Caracas tivesse, na teoria, dois presidentes em exercício, um chavista e um da oposição, reconhecidos por diferentes nações.