Merz, favorito na Alemanha, quer ser a antítese de Merkel

Por José Henrique Mariante | Folhapress

Foto: Reprodução / Youtube

Friedrich Merz, 69, advogado, casado, três filhos, católico e milionário, deve ser o próximo primeiro-ministro da Alemanha. Ainda que a atual campanha eleitoral colecione episódios inusitados, nada indica que o resultado das eleições de 23 de fevereiro estará entre eles. O que vai acontecer depois é outra história.
Com 30% das preferências, ou menos segundo alguns levantamentos recentes, a CDU, partido de Merz, deve obter a maior bancada do Bundestag, o Parlamento alemão. A matemática parlamentar o tornará premiê, mas diz também que, para governar, ele precisará de uma maioria, ou seja, terá que fazer uma coalizão.
Friedrich Merz, candidato da CDU ao cargo de primeiro-ministro da Alemanha, discursa na convenção da CSU, partido que trabalha em conjunto, em Nuremberg Heiko Becker Reuters Um homem em um terno azul está em um palco, segurando um microfone e fazendo um gesto de punho cerrado. O fundo é azul com a sigla 'CSU' repetida em branco. Um político favorito estaria pensando no futuro e aparando arestas, mas dos tantos cotovelos que surgem na atual corrida eleitoral, um dos mais proeminentes é o de Merz. De novembro, quando o atual premiê Olaf Scholz demitiu seu ministro das Finanças e precipitou a antecipação do pleito, até a última semana, o candidato conservador se indispôs com quase todos seus adversários, incluindo os com quem necessariamente terá que negociar apoio, e até com aliados.
Das tantas altercações, uma das mais significativas foi com alguém que não está na disputa. Angela Merkel, premiê de 2005 a 2021, criticou seu colega de partido publicamente. Há duas semanas, Merz propôs uma moção sobre imigração que só seria aprovada com votos da AfD, a sigla de extrema direita em ascensão no país.
A Alemanha experimentou nos últimos meses episódios de violência provocados por imigrantes. Merz, alegando urgência no tema, seguiu em frente com a proposta, mesmo sabendo que ela só passaria graças ao apoio da AfD. Um paradigma então foi quebrado: nunca na política do pós-guerra algum partido negociou ou contou com votos da extrema direita. Merz aprovou a moção e, dois dias depois, tentou repetir a dose com um projeto de lei, que acabou recusado após quase cinco horas de debate.
"Acho errado não nos sentirmos mais vinculados a essa obrigação", publicou Merkel nas redes sociais, lembrando que o próprio colega havia defendido, meses antes, o isolamento da sigla extremista. Merz justificou o pragmatismo, dizendo que a falta de ação do Parlamento no caso apenas reverteria em mais adesão ao populismo da AfD.
Pesquisas de opinião alicerçavam sua fala, mas dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o político. "Nós somos o Brandmauer", gritavam os manifestantes no último fim de semana, fazendo referência ao termo alemão para firewall, a distância que o campo democrático mantém da extrema direita.
As manifestações se repetiram neste sábado (8). Apenas em Munique, eram mais de 200 mil, segundo a polícia, em defesa de uma Alemanha "diversa, solidária e democrática".
Em um evento promovido pelo jornal Die Zeit, na quarta-feira (7), Merkel reiterou as críticas feitas ao líder da CDU e acabou virando meme. Indagada sobre quem seria melhor candidato, Merz ou Robert Habeck, do Partido Verde, a ex-premiê tergiversou. Quando o público começou a rir diante da falta de resposta, ela se sentiu pressionada e disparou: "Então eu tenho que dizer Merz... mas eu queria dar uma razão para isso".
A hesitação de Merkel mereceu longas reflexões na imprensa alemã. A diferença entre os dois é de longa data. Nos anos 1990 e 2000, a cientista e o advogado corporativo eram as novas estrelas da CDU, a União Democrática-Cristã. Merkel, vinda da dura Alemanha Oriental; Merz, da confortável Brison, do lado ocidental. A primeira, concentrada na função social do Estado; o segundo, reformista liberal na economia em um partido conservador.
Em 2002, o grupo de Merkel prevaleceu no comando do partido e, três anos mais tarde, ela se tornaria a mais longeva premiê do pós-guerra alemão, com grande projeção internacional. Merz, escanteado, desistiu da política em 2009 e decolou na iniciativa privada, participando do conselho de grandes empresas, como o fundo de investimento BlackRock. Ficou milionário também.
Sua volta à política ocorreu, não por coincidência, no momento em que Merkel começou a desenhar a sua aposentadoria, em 2018. Em 2021, já de volta ao Parlamento, Merz assumiu a liderança da CDU na hora em que sua antítese saiu do comando do governo em Berlim. O saldo dos anos Merkel pesava sobre a União, com um péssimo resultado na eleição parlamentar e divisões internas.
Na oposição ao governo Scholz, Merz restaurou a popularidade da legenda com discursos que confrontavam não apenas a gestão em curso, como também as anteriores, de Merkel. Do lado econômico, seu domínio, várias críticas: dependência do modelo exportador, ausência de uma política de inovação, a renúncia da energia nuclear --a provocação sobre preferir um candidato dos Verdes tem raízes antigas.
Do lado social, a crise imigratória. A histórica decisão de abrir as fronteiras para mais de um milhão de refugiados sírios, em 2015, pesa sobre Merkel até hoje. Na mesma entrevista em que hesitou declarar apoio a Merz, a ex-premiê refutou ser responsável pela ascensão da extrema direita, tese que o sucessor alimenta. "Quando saí do governo, a AfD tinha 11% das preferências. Se estão com 20% agora, não é por minha culpa."
Merz já afirmou que seu primeiro ato de governo será apertar o controle imigratório, reapresentando o teor de seu projeto rejeitado. Também promete um choque econômico contra a desindustrialização, fantasma que persegue a Alemanha há alguns anos. Promete corte de impostos para empresas e famílias, desburocratização e investimento em novas tecnologias. Não explica direito de onde vai tirar tanto dinheiro, mas empolga o mercado.
Quer flexibilizar a legislação ambiental e moderar a transição energética, bandeiras populistas que conservadores e extrema direita cada vez mais compartilham em muitos países da Europa. E ceder mísseis de longo alcance à Ucrânia, algo que a maioria dos analistas trata como bravata, dado as sérias consequências que o ato traria para conflito com a Rússia.
Não é apenas o teor do programa que o afasta de Merkel, mas o tom. Merz impõe caminhos, em um país acostumado a costuras políticas e ao tempo que consomem. Setores empresariais e parte da mídia alemã veem com bons olhos a pressa, ainda mais diante de dois anos de estagnação econômica, mas rompantes assustam.
A personalidade explosiva deve eleger Merz. Se vai ajudá-lo a governar a Alemanha ainda é dúvida
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